Projeto de Lei prevê a inclusão de ética e cidadania no currículo da Educação Básica

 

Projeto de lei aprovado pelo Senado prevê a inclusão de ética e cidadania como disciplinas obrigatórias no currículo da Educação Básica. Na sua opinião isso é bom ou ruim? Emita sua opinião!

 

Educadores criticam inclusão de ética e cidadania no currículo

MEC teme sobrecarga de matérias; projeto será votado na Câmara

LAURO NETO

Publicado:10/12/12 - 8h28

Leo Martins

Em sala. Alunos de ensino médio do pH têm aulas de Atualidades, em que debatem valores éticos e morais no mundo contemporâneo.

Aprovado no Senado, o projeto de lei que prevê a inclusão de duas novas disciplinas obrigatórias (Cidadania Moral e Ética, no ensino fundamental, e Ética Social e Política, no médio) já está causando polêmica antes de ser votado na Câmara de Deputados. Os defensores da proposta do senador Sérgio Souza (PMDB-PR) argumentam que a atual crise de valores e o cenário de corrupção justificam a  necessidade dos conteúdos. Mas educadores ouvidos pelo GLOBO são contra, alegando principalmente que a grade curricular do ensino básico já está saturada.
O próprio Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) reprovam a iniciativa. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, frisa que as escolas públicas já têm 13 disciplinas obrigatórias.
— A sobrecarga não contribui para o aluno ter foco nas disciplinas essenciais, que são Matemática, Língua Portuguesa e Ciências.
Presidente do Consed, Maria Nilene Badeca da Costa diz que os dois órgãos trabalham juntos na reformulação da Educação básica. Para ela, a inclusão das disciplinas inviabilizaria o projeto político pedagógico das escolas.
— Os currículos escolares já estão sobrecarregados, não há disponibilidade de espaço na matriz curricular. Não é necessário alterar a legislação. O Consed acredita que a experiência educacional já indica fortemente conteúdos relativos à ética, à cidadania e à política — defende Maria Nilene.
De acordo com o Consed, esses conteúdos devem ser tratados de modo integrado com o currículo escolar, como eixos transversais, permeando a formação dos estudantes em todos os componentes curriculares existentes.
Mas o senador Sérgio Souza (PMDB-PR) defende sua proposta. Ele cita um levantamento feito pelo Fórum Econômico Mundial, com 60 países, que colocou o Brasil na 50ª posição no ranking de corrupção, e no 55º lugar na ineficiência da Justiça. Questionado se o projeto não seria um mea culpa por parte da classe política, Souza rebate:
— Se formarmos cidadãos conscientes para serem representantes, eles irão para a política com propósitos diferentes, que não sejam voltados ao próprio interesse econômico. O cidadão já é corrupto no momento em que quer levar vantagem na fila do pedágio ou do mercado. A cultura brasileira tem isso de ser país do jeitinho, é vergonhoso.
Por isso, o senador defende a implantação de uma política educacional voltada para a formação moral e ética preparando os jovens para o exercício responsável da cidadania. Souza contesta os argumentos da falta de tempo e espaço no currículo:
— Com a proposta de período escolar integral, essa justificativa cai por terra. Antes de discutirmos se há espaço, temos que discutir se é importante.
Os argumentos não convencem a relatora das diretrizes curriculares no Conselho Nacional de Educação, Regina de Assis, que endossa as críticas.
— Isso é desconhecimento de currículo. Não vejo necessidade de incluir mais duas disciplinas para se teorizar sobre isso. Já faz parte das metas curriculares e dos projetos político-pedagógicos. Desde a creche tem que se ensinar a ética a partir de valores e da prática — diz Regina, doutora em educação.
O professor Victor Notrica, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro, lembra que o conteúdo proposto pelas novas disciplinas já é trabalhado pelos professores. Ele ressalta a dificuldade de se cumprir o currículo atual nos 200 dias e 800 horas/ano obrigatórios por lei e levanta outro problema:
— Não sei se há docentes especializados para dar esses conteúdos em disciplinas específicas. Isso tudo faz parte do dia a dia escola. Os professores das ciências sociais, exatas e Língua Portuguesa já fazem uma abordagem de ética e cidadania. A inclusão obriga uma exclusão. Vai hipersaturar a carga horária dos estudantes e tumultuar ainda mais a grade curricular pelo excesso de conteúdo.
Alguns colégios cariocas alegam que já transmitem esses valores em outras disciplinas. O pH, por exemplo, tem a Aula de Vida para o ensino fundamental e de Atualidades para o médio. O São Bento ministra ensino religioso para os menores e teologia para os mais velhos. Diretora do São Bento, Maria Elisa Penna Firme lembra que a escola funciona das 7h30m às 17h30m.
— Já temos 15 disciplinas. Para entrar duas disciplinas, temos que tirar carga horária daquelas que já compõem o currículo. São temas importantes, mas que devem ser abordados dentro de Filosofia, Sociologia e Geografia — diz ela.
Rui Alves, diretor de ensino da rede pH, é menos refratário. Se a proposta virar lei, o colégio adaptará o conteúdo trocando os nomes das matérias:
— São disciplinas importantes para a formação dos alunos. A grande preocupação é contornar essa situação dentro da grade desses segmentos.
Secretária municipal de Educação, Cláudia Costin também está preocupada com a carga horária.
— Enquanto não resolver a questão da carga horária, sou contra. Nas nossas 119 escolas com 7 horas diárias, estamos incluindo a disciplina Educação para Valores. Nas demais, com média de 4 horas de aula/dia, se entrar mais uma disciplina, vamos ter menos tempo para trabalhar Matemática, Português e Ciências, que têm se saído tão mal em rankings internacionais.

 

Um currículo em crescimento constante

Elaborado pelo senador Sérgio Souza, o projeto que prevê a inclusão das duas disciplinas no currículo tem como relator o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB). O texto, que ainda será submetido a votação na Câmara dos Deputados, não é o primeiro a propor mudanças curriculares na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. A cada ano, a legislação vai crescendo junto com os currículos. A alteração mais recente aconteceu em abril deste ano, quando foram incluídos os princípios de proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos dos ensinos fundamental e médio nas escolas.
Em 2008, a inclusão de Filosofia e Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio também gerou polêmica e até hoje é questionada.
— A inclusão de Sociologia e Filosofia já foi demais. Tem que haver um projeto de currículo nacional, com conteúdos mínimos necessários para se aprender em cada série, e alguns aspectos regionais, que podem variar de estado para estado — defende Rubem Klein, da Associação Brasileira de Avaliação Educacional.
Também em 2008, a música passou a ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do ensino de Artes. No mesmo ano, tornou-se obrigatório o estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena em todo o currículo dos ensinos fundamental e médio, em especial em Artes, História e Literatura.
Um ano antes, o ensino fundamental passou a ter, obrigatoriamente, conteúdo sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mais recentemente, em 2011, o estudo sobre os símbolos nacionais passou a ser incluído como tema transversal nos currículos do ensino fundamental.

 

Comments

imagem de HeyJhenni

Nas duas partes há

Nas duas partes há desconhecimento da realidade das escolas brasileiras.

Noutra situação eu seria a favor do projeto, acredito que tais matérias muito podem contribuir para nossa formação. Porém, como estudante de uma escola pública do estado do Amapá, digo que isso não é possível. A questão não é nem a carga horária, mas algumas prioridades. Antes de debater mudanças na grade curricular, é necessário debater se escolas e professores tem condições de cumprir pelo menos as matérias obrigatórias atuais.

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imagem de Carolina Real

Minha posição é parecida com

Minha posição é parecida com a do comentário anterior. Eu sou professora do Ensino Médio Técnico e meus alunos têm mais de 20 disciplinas todos os anos. Não é possível que os alunos aprendam tantos temas diferentes com qualquer profundidade! A solução que os professores encontram é fazer trabalhos em conjuntos, mas isso nem sempre é possível por termos poucos horários em comum disponíveis para planejarmos estas atividades. Acredito que é para isso que deveriam servir as disciplinas sociologia e filosofia que se tornaram obrigatórias em todos os anos do ensino médio. Além disso, ética e moral são temas que deveriam ser tratados em todas as disciplinas, transversalmente...  

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