Novo sistema causa incerteza

Especialistas temem que a divisão de matérias por semestre, no ensino médio, possa atrapalhar o aluno de escola pública no vestibular. Na educação básica, pais receiam faltar estímulo para as crianças com a extinção, até o 5º ano, da reprovação anual

Manoela Alcântara

Ariadne Sakkis

Publicação: 17/01/2013 08:00 Atualização: 17/01/2013 11:37

 ele acredita que o novo sistema poderá atrapalhá-lo no PASAs mudanças no ensino básico anunciadas pela Secretaria de Educação provocaram várias dúvidas entre professores, especialistas, alunos e pais. Muitas lacunas precisam ser preenchidas até que fique claro como funcionará a formação por ciclos, que agora vai até o 5º ano do ensino fundamental. Também há questionamentos, principalmente por parte de especialistas, sobre a eficácia da substituição do ano letivo pela semestralidade no ensino médio.

Conforme as diretrizes anunciadas na segunda-feira, agora os estudantes do 1º, 2º e 3º ano do ensino médio passarão um semestre tendo aulas de humanas e no outro, de exatas. Leonardo dos Santos Leão, por exemplo, acredita que o sistema vai ao mesmo tempo beneficiá-lo e prejudicá-lo. O estudante de 17 anos cursou o 1º ano do ensino médio em 2012 e foi reprovado. Em 2013, verá as disciplinas em bloco. “Concentrar o estudo em matérias parecidas é bem melhor do que tentar aprender coisas diferentes ao mesmo tempo. Acho que vai me ajudar.” Ele, porém, teme ter mais dificuldades para fazer as provas do vestibular e do Programa de Avaliação Seriada (PAS). “Vou estudar sozinho para revisar o conteúdo, mas não é a mesma coisa de rever com o professor na sala de aula”, lamenta.

Remi Castioni, professor de educação na Universidade de Brasília, tem o mesmo receio. “As provas têm trazido questões com os conteúdos de exatas e humanas cada vez mais articulados. É natural que, quando se concentra muito tempo em um conteúdo, não se lembre mais de outro. Prejudica ainda mais o aluno da rede pública”, acredita o especialista. A diretora da Faculdade de Educação da UnB, Carmenísia Jacobina Aires, tem outras ressalvas, em especial quanto à formação de cidadão no ambiente escolar. “Podemos comparar com o sistema de créditos na universidade. Esse modelo prejudica a formação de líderes, não há uma sequência na constituição de grupos, da identidade do estudante”, afirmou.

Desestímulo

Em relação ao ensino fundamental, especialistas são mais confiantes, mas alguns pais estão confusos. As novas regras ampliam a política adotada desde 2005 com o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA). A partir deste ano, a reprovação pode acontecer no 3º ano, que é o fim do primeiro ciclo, ou no 5º, quando acaba o segundo ciclo. A dona de casa Silvana Pereira da Silva é mãe de Rebeca, 9 anos. A menina entrará no 4º ano. Silvana está receosa quanto ao novo modelo. “Minha filha tem que passar por mérito. A criança vai se sentir desestimulada. Se não há reprovação, por que ela vai se esforçar?”, questiona. Ela lembra ainda que toda a responsabilidade vai ficar na mão dos professores. “Como vamos acompanhar o desempenho dele? Saber se está bem, se está aprendendo?.”

O modelo de ciclos pode funcionar muito bem e ser até mais eficaz na formação educacional, mas requer maior planejamento e rigor na execução. Afonso Danus Galvão, coordenador da pós-graduação em educação da Universidade Católica de Brasília, explica: “Se o sistema de ciclos for bem implementado, ele proporciona atenção individualizada ao aluno e pode garantir que seu tempo de aprendizado seja respeitado. Mas a secretaria tem de criar as ferramentas e dar a estrutura para que isso aconteça, o que não existe hoje”, afirma.

Para o presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF (Aspa-DF), Luis Claudio Megiorin, o maior problema foi a inexistência de um período de transição. “É uma mudança muito drástica para ser feita no meio de um governo. Um programa dessa magnitude não tem resultados a curto ou médio prazo, leva de 5 a 10 anos para apresentar resultados. Além disso, ele não foi debatido com a sociedade”, reclama.

Professores resistem

Ontem foi um dia de questionamentos para o Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF). De acordo com o diretor da entidade, Washington Dourado, apareceram diversas dúvidas quanto ao novo Currículo em Movimento da Educação Básica. “A repercussão é extremamente negativa na categoria. Temos muita resistência.” A maior reclamação gira em torno da falta de informação e de discussão prévia com os docentes. “Fizeram um lançamento oficial, mas não foi apresentado um projeto de estrutura nas escolas. Como vamos aplicar isso? Como será feita a formação dos professores?”, questionou.

A posição da entidade é de que o assunto merecia um debate mais profundo antes da implantação. Porém, a maior indignação, segundo Dourado, é em relação ao repasse de verbas. “A secretaria anunciou que as escolas que adotarem os ciclos receberão entre R$ 2 mil e R$ 3 mil a mais por aluno atendido para a compra de material pedagógico. Não aceitamos isso. O repasse tem que ser igual para todos”, analisou o Washington. Ele enfatizou que moverá uma ação judicial contra a pasta caso isso ocorra. “Isso é discriminação, não vamos admitir.”

Explicação

Apesar da indignação, a assessora especial da pasta rebateu os argumentos do sindicalista. “Não temos um valor definido ainda. Vamos, sim, repassar um valor a mais, que será entre R$ 1 mil e R$ 2 mil. Mas isso já ocorre em toda a rede. Se a escola tem programas diferentes, recebe para mantê-los”, explicou. O Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) repassa os recursos extras de acordo com cada escola.

Quanto à falta de informação, a assessora afirma que os detalhes das medidas estão no site da secretaria em documentos como as diretrizes pedagógicas do Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), o Plano Político e Pedagógico e o próprio Currículo em Movimento. “Fizemos dois seminários em cada Regional de Ensino e o resto pode ser consultado com a secretaria”, frisou. (MA e AS)

Debate desde 2011

A Secretaria de Educação do DF não vê a política como uma novidade. A assessora especial da pasta, Natália Duarte, ressalta que as discussões sobre o tema ocorrem desde 2011. Segundo ela, foram realizados debates, seminários com as regionais de ensino e profissionais do setor. “A ideia melhora a qualidade de vida do professor. Eles terão a metade dos alunos em sala, poderão prestar um serviço individualizado com resultados positivos no aprendizado”, disse. O embasamento para as políticas está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que sugere o ensino por ciclos de dois ou três anos e ainda dá autonomia aos Estados e ao DF para traçar a própria metodologia de ensino.

O sistema de ciclos é conhecido desde 2005, quando o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) começou a ser aplicado no DF, e só foi ampliado para o 5º ano do ensino fundamental. A extensão ocorrerá primeiro em cinco regionais (veja Tira-dúvidas). A maior novidade fica a cargo das alterações no ensino médio. Existem experiências recentes em outros estados que apontam possível sucesso no modelo de semestralidade. “O Ministério da Educação (MEC) faz um acompanhamento cuidadoso dessas mudanças. Elas fazem parte de um plano para melhorar o ensino médio em todo o país”, ressaltou Natália Duarte.

A assessora especial frisa que não haverá prejuízo no vestibular, mesmo para os que iniciarem a nova metodologia no 3º ano do ensino médio. “Quando a gente estuda física, vê um conteúdo no primeiro bimestre, que não se repete no segundo. Nós nos concentramos em uma maneira de o estudante estudar com maior tranquilidade, dedicação maior. Se ele quiser revisar o conteúdo, poderá fazer isso no contra-turno”, lembrou Duarte.