Ampliação da jornada escolar e alteração dos currículos na reformulação do Ensino Médio

Tramita, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 6840/2013, que trata da reformulação do Ensino Médio no Brasil. Elaborada pela Comissão Especial destinada a promover Estudos e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio – CEENSI, a proposta pretende diminuir a evasão escolar, corrigir a distorção de idade/série e melhorar a qualidade do ensino nessa etapa escolar. A iniciativa altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394/96.

Entre as diretrizes previstas no PL está a instituição da jornada em tempo integral e a reformulação dos currículos, dividindo as disciplinas em áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas). Segundo a proposta, os estudantes deverão escolher, no terceiro ano, pela habilitação em uma dessas áreas ou por uma formação profissional, com a possibilidade cursarem, no ano letivo subsequente ao da conclusão do Ensino Médio, outra opção formativa.
Para a professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Alice Ribeiro Casimiro Lopes, a proposta não é inovadora e se sobrepõe a outras medidas já adotadas na educação. “Enquanto pensarmos que existe um único currículo adequado, a proposta salvadora da educação, não conseguiremos enfrentar alguns dos desafios educacionais mais importantes”, afirma.

Segundo Lopes, é preciso olhar para as boas experiências e para práticas escolares interessantes. “Educação é prática cultural e envolve muito mais do que ensinar e aprender um conteúdo para realizar uma prova. Podemos começar entendendo que só se aprende se há estudo. Podemos então pensar o que precisa ser feito para que se estude mais – não apenas na escola. As respostas para isso não são apenas curriculares, não são apenas legislativas e muito menos são uma única resposta”, diz.

Para o professor da Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF, Paulo Carrano, que também é coordenador do Grupo de Pesquisa do Observatório Jovem do Rio de Janeiro e do portal Ensino Médio EMdiálogo, a proposta “complica mais do que ajuda”, porque ela não toca nos problemas mais estruturais da escola e porque confunde escola de tempo integral com educação integral. “Uma coisa é a escola de horário integral, onde você amplia a carga horária, e os esforços nesse sentido têm sido feitos, o próprio governo federal tem políticas de estimular que as escolas ampliem seus horários”, afirma.

Segundo Carrano, a carga horária ampliada possibilita um impacto maior na qualidade. Mas, para que isso aconteça, é preciso que os espaços escolares sejam melhorados. “Se você amplia o tempo de presença em uma escola precária, pouco estruturada, com professores desmotivados, prédios desadaptados, com um clima escolar e cultural precário, esse tempo passa a ser de maior sofrimento. Não adianta ampliar a jornada escolar, ainda que ela seja uma meta a ser perseguida, se não forem radicalmente mudadas as condições desse espaço”, diz.

Além disso, Carrano considera que o projeto deveria tratar a educação integral em sentido amplo, como uma formação humana completa, ética, cultural e científica. “O Ensino Médio deveria ser um ensino de formação elevada, de qualidade e integral, para que o aluno saia um cidadão bem formado, consciente dos seus desafios éticos, com uma identidade técnico profissional, não uma profissão necessariamente, mas uma orientação para a sua relação com o trabalho. O aluno deveria ter uma alfabetização científica que lhe permitisse navegar pelo mundo das artes, das ciências e das letras. Isso é uma educação integral, uma escola que não se fecha para a cidade, para o mundo”, avalia.

Para o professor, mais que dialogar com os espaços-tempos educativos da cidade, como clubes, praças, museus e centros culturais, a escola também deveria valorizar e aproveitar os conhecimentos que os adolescentes adquirem pela internet. “Vivemos no mundo da convergência, integrado, conectado, a escola não é o único centro produtor de saber e de conhecimento. Muitos dos conhecimentos que o jovem adquire na internet, nas redes sociais, a escola não valoriza, porque não conhece, porque teme. É um sinal que os jovens estão dando de que eles vivem em um mundo de aprendizagem, de experiência social que a escola não está sabendo aproveitar”, afirma.

Segundo Lopes, o enfoque salvacionista com que tem sido tratada a educação faz supor que com melhor educação todos os problemas serão solucionados. “É interessante observar que não se costuma afirmar que se tivéssemos maior distribuição de renda e melhor saúde as crianças e adolescentes teriam melhores condições de vida e estudariam mais. Sempre se faz o raciocínio inverso, conferindo à educação um poder que ela não tem, ou tem de forma muito condicionada a tantas outras questões. Como existe essa visão salvacionista em relação à educação, uma das ideias vigentes – que não é nova e muito menos é desse PL apenas – é de que com maior tempo de permanência na escola a educação será melhor”, diz.
Tal questão é ainda mais controversa em relação ao Ensino Médio, segundo a professora, pelo fato de os jovens gostarem de ter outras atividades além da escola e porque nem sempre gostam de ficar em período integral. Além disso, Lopes avalia que outras questões devem ser feitas antes de se propor o horário integral como, por exemplo, se os estados arcarão com os custos da medida e se haverá ampliação do quadro de professores, maior remuneração e infraestrutura adequada.