O fotógrafo - Manoel de Barros

Se fazer poesia é criar imagens, o fotógrafo poderia ser poeta também? E o poeta, fotógrafo? Nos poemas do livro Ensaios fotográficos, Manoel de Barros tira fotos do que acha bonito neste mundo, das coisas entre a natureza e a existência. Aqui vai um dos poemas do livro desse poeta nascido à beira do rio Cuiabá, cujo olhar não se contenta com as aparências e os lugares-comuns, mas tenta focar os "sobres", os "entres" e os mínimos acontecimentos. Ou simplesmente, brinca com as palavras no seu imaginário de criança alumbrada com as coisas miúdas. "Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei." Amante da natureza, o poeta a corteja tornando humanos -- homem que é -- os passarinhos, as nuvens e o tempo.

 

O  Fotógrafo

 

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada a minha aldeia estava morta.

Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.

Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã.

Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada.

Preparei minha máquina de novo.

Tinha um perfume de jasmim num beiral de um sobrado.

Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada mais na existência do que na pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda azul-perdão no olho de um mendigo.

Fotogafei o perdão.

Vi uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.

Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim cheguei a Nuvem de calça.

Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski – seu criador.

Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.

Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.

A foto saiu legal.

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imagem de Simone Brichta

Oficina de Animação de Poesia Visual

Um vídeo com comentários da animação da imagem de poesia visual

http://www.youtube.com/watch?v=ae78sWRiMz8

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