O Brasil deve adotar um currículo nacional único para a educação básica? Sim.

PRISCILA CRUZ

TENDÊNCIAS/DEBATES - FOLHA DE S.Paulo - Opinião

O Brasil deve adotar um currículo nacional único para a educação básica?

SIM

Padronizar para avaliar gestores e educadores

A Constituição Federal assegurou a educação como um direito fundamental. No entanto, ainda precisamos cumprir o artigo 210, que dispõe que "serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais", definindo de forma mais precisa e transparente quais aprendizagens todos e cada um dos alunos devem adquirir.

O currículo nacional é o conjunto de aprendizagens que devem ser comuns a todos os alunos, seja porque são universais (a aritmética, as leis básicas da natureza etc.) ou porque dizem respeito à nossa identidade brasileira (o estudo dos ecossistemas brasileiros, a nossa história etc.).

Ou seja, trata-se do conjunto de conhecimentos necessários para a garantia de oportunidades no contexto atual da sociedade deste início do século 21. Outros temas de interesse da comunidade escolar e especificidades regionais devem fazer parte dos currículos escolares que serão diferentes entre as redes.

Uma analogia que nos ajuda nessa reflexão é a aproximação do direito à educação com os direitos humanos. Este não é distinto em cada Estado, município ou escola.

Todos estão protegidos por um direito comum, necessário para garantir uma vida igualmente digna para indivíduos reconhecidamente diferentes. No direito à aprendizagem, hoje, quanto maior é a vulnerabilidade em que estão inseridos os alunos, menor é a sua aprendizagem, quando justamente ela deveria ser assegurada para quebrar o ciclo de exclusão e pobreza em que estes alunos estão presos há gerações.

Um currículo nacional permite a execução eficiente, transparente e justa das políticas públicas na área da educação.

O Brasil tem avançado em seus sistemas de avaliação da aprendizagem, garantindo diagnósticos para que caminhos de sucesso sejam difundidos. Os diagnóstico garantem também que os erros sejam aprimorados ou corrigidos. Gestores e educadores estão engajados nesse processo, mas o trabalho de milhões desses profissionais é avaliado sem que haja completa transparência dos resultados esperados.

O objetivo central da formação de professores é prepará-los para que garantir os direitos de aprendizagem. Isso só pode ser feito se houver explicitação destes direitos.

O mesmo pode ser dito sobre a elaboração, aprovação e compra dos livros e materiais didáticos em toda a sua diversidade.

Muitas redes estaduais e municipais, por falta de um currículo nacional, definiram os seus. E, não por acaso, essas redes apresentaram bons avanços no último Ideb, apontando para o fato de que o currículo pode ter auxiliado na articulação e organização de suas políticas em torno da aprendizagem esperada.

Por fim, é importante falar sobre a autonomia dos professores.

Sua participação é fundamental na definição do currículo nacional. Mas, depois de definidos os direitos de aprendizagem de cada um dos alunos, o essencial do exercício docente está na escolha das estratégias de ensino e em como os professores conduzem as atividades para que todos os seus alunos aprendam.

É isso que difere o matemático do professor de matemática -que, além do conteúdo, tem o conhecimento sobre como ensinar esse conteúdo.

Assim, é urgente que, democraticamente, seja debatido e definido um currículo nacional, que oriente as políticas educacionais, o trabalho de milhões de profissionais, o engajamento das famílias e a participação de toda a sociedade em torno do direito de aprender de todas as crianças e jovens.

PRISCILA CRUZ, 37, é diretora-executiva do movimento Todos Pela Educação

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