E por falar em Economia Verde...

Confira abaixo a continuação da entrevista de Michael Löwy feita pela jornalista Bárbara Mengardo da revista Caros Amigos, publicada anteriormente no artigo "E por falar em Rio +20..."

CA - O “rascunho zero” da Rio+20 cita diversas vezes o termo "economia verde", mas não traz uma definição para essa expressão. Na sua opinião, o que esse termo pode significar? Seria esse conceito suficiente para deter a destruição do planeta e as mudanças climáticas?

ML - Não é por acaso que os redatores do tal "rascunho" preferem deixar o termo sem definição, bastante vago. A verdade é que não existe “economia” em geral: ou se trata de uma economia capitalista, ou de uma economia não-capitalista. No caso, a "economia verde" do rascunho não é outra coisa do que uma economia capitalista de mercado que busca traduzir em termos de lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas "verdes" bastante limitadas. Claro, tanto melhor se alguma empresa trata de desenvolver a energia eólica ou fotovoltaica, mas isto não trará modificações substanciais se não for amplamente subvencionado pelos estados, desviando fundos que agora servem à indústria nuclear, e se não for acompanhado de drásticas reduções no consumo das energias fósseis. Mas nada disto é possível sem romper com a lógica de competição mercantil e rentabilidade do capital. Outras propostas "técnicas" são bem piores: por exemplo, os famigerados "biocombustíveis", que como bem o diz Frei Betto, deveriam ser chamados "necrocombustiveis", pois tratam de utilizar os solos férteis para produzir uma pseudo-gasolina "verde", para encher os tanques dos carros - em vez de comida para encher o estômago dos famintos da terra.

CA - Quem seriam os principais agentes na luta por uma sociedade mais verde, o governo, a iniciativa privada, ONGs, movimentos sociais, enfim?

ML - Salvo pouquíssimas exceções, não há muito a esperar dos governos e da iniciativa privada: nos últimos 20 anos, desde a Rio-92, demonstraram amplamente sua incapacidade de enfrentar os desafios da crise ecológica. Não se trata só de má-vontade, cupidez, corrupção, ignorância e cegueira: tudo isto existe, mas o problema é mais profundo: é o próprio sistema que é incompatível com as radicais e urgentes transformações necessárias.A única esperança então são os movimentos socais e aquelas ONGs que são ligadas a estes movimentos (outras são simples "conselheiros verdes" do capital). O movimento camponês - Via Campesina -, os movimentos indígenas e os movimentos de mulheres estão na primeira linha deste combate; mas também participam, em muitos países, os sindicatos, as redes ecológicas, a juventude escolar, os intelectuais, várias correntes da esquerda. O Fórum Social Mundial é uma das manifestações desta convergência na luta por um "outro mundo possível", onde o ar, a água, a vida, deixarão de ser mercadorias.

CA - Como você analisa a maneira como a questão ambiental vem sendo tratada pela mídia?

ML - Geralmente de maneira superficial, mas existe um número considerável de jornalistas com sensibilidade ecológica, tanto na mídia dominante como nos meios de comunicação alternativos. Infelizmente uma parte importante da mídia ignora os combates sócio-ecológicos e toda crítica radical ao sistema.

CA - Você acredita que, atualmente, em prol da preservação do meio ambiente é deixada apenas para o cidadão a responsabilidade pela destruição do planeta e não para as empresas? Em São Paulo, por exemplo, temos que comprar sacolinhas plásticas biodegradáveis, enquanto as empresas se utilizam do fato de serem supostamente "verdes" como ferramenta de marketing.

ML - Concordo com esta crítica. Os responsáveis do desastre ambiental tratam de culpabilizar os cidadãos e criam a ilusão de que bastaria que os indivíduos tivessem comportamentos mais ecológicos para resolver o problema. Com isso tratam de evitar que as pessoas coloquem em questão o sistema capitalista, principal responsável da crise ecológica. Claro, é importante que cada indivíduo aja de forma a reduzir a poluição, por exemplo, preferindo os transportes coletivos ao carro individual. Mas sem transformações macro-econômicas, ao nível do aparelho de produção, não será possível brecar a corrida ao abismo.

CA - Quais as diferenças nas propostas que querem, do ponto de vista ambiental, realizar apenas reformas no capitalismo e as que propõem mudanças estruturais ou mesmo a adoção de medidas mais "verdes" dentro de outro sistema econômico?

ML - O reformismo "verde" aceita as regras da "economia de mercado", isto é, do capitalismo; busca soluções que seja aceitáveis, ou compatíveis, com os interesses de rentabilidade, lucro rápido, competitividade no mercado e "crescimento" ilimitado das oligarquias capitalistas. Isto não quer dizer que os partidários de uma alternativa radical, como o ecossocialismo, não lutam por reformas que permitam limitar o estrago: proibição dos transgênicos, abandono da energia nuclear, desenvolvimento das energias alternativas, defesa de uma floresta tropical contra multinacionais do petróleo (Parque Yasuni!), expansão e gratuidade dos transportes coletivos, transferência do transporte de mercadorias do caminhão para o trem, etc. O objetivo do ecossocialismo é o de uma transformação radical, a transição para um novo modelo de civilização, baseado em valores de solidariedade, democracia participativa, preservação do meio ambiente. Mas a luta pelo ecossocialismo começa aqui e agora, em todas as lutas sócio-ecológicas concretas que se enfrentam, de uma forma ou de outra, com o sistema.