Escola de referência não pode ser "gueto de privilegiados", diz professora da UFPE

Na ânsia por diminuir indicadores educacionais negativos, as Escolas de Referência de Ensino Médio (EREMs) da rede pública pernambucana podem se deixar levar por práticas pedagógicas regidas pela competitividade e pela lógica empresarial. A avaliação é de Márcia Ângela Aguiar, professora titular do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Segundo a docente, ao instituir uma rede diferenciada de atendimento, a experiência pernambucana de educação integral tem sido criticada por alguns especialistas por criar mecanismos de distinção no atendimento aos jovens e por implementar um currículo pouco pautado numa perspectiva crítica e de formação cidadã.

Para ela, sem a avaliação cuidadosa da experiência, sem a construção de mecanismos que melhorem o conjunto da rede e sem assegurar a presença de jovens pobres e trabalhadores nas escolas com jornadas ampliadas – por meio de programas de apoio e bolsa –, escolas de tempo integral podem se tornar “um gueto privilegiado” dentro do Estado.

Confira a entrevista que a professora concedeu, via e-mail, para o blog:

Tô no Rumo: Há alguns anos, o governo de Pernambuco mantém como política de Estado as escolas de referência para o Ensino Médio da rede pública. Como a senhora avalia esse modelo? Quais são seus principais méritos? E quais são seus defeitos?

Márcia Ângela Aguiar: Em primeiro lugar é importante ressaltar que a proposta de tempo integral para as escolas de educação básica constitui uma bandeira histórica dos movimentos sociais em defesa de uma educação pública referenciada pelo social. Nos anos recentes, em Pernambuco, foram criados os Centros de Ensino em Tempo Integral, implantado pela Secretaria de Educação do Estado, governo de Jarbas Vasconcelos, com o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação, de 2005 a 2007, uma parceria público-privado na rede pública de ensino. Esse modelo de escola, cujo padrão de gerenciamento inspira-se na experiência empresarial, é transformada em política pública de educação, em 2008, no governo de Eduardo Campos.

Esse modelo de gestão tem suscitado questionamentos entre os estudiosos da gestão da educação básica que apontam para o risco da subsunção da visão pedagógica pela lógica empresarial, da transformação do estudante em cliente, do reducionismo dos processos pedagógicos e por instituir diferenciações no atendimento administrativo e pedagógico no contexto da rede das escolas. Consideram que no afã de se reduzir indicadores educacionais adversos e de obter bons resultados nas avaliações estandardizadas, essas escolas correm o risco de, ao invés de oferecerem aos estudantes oportunidades teórico-práticas de compreenderem, criticamente, a sociedade em que se inserem e o mundo do trabalho, se deixem levar, no cotidiano das práticas pedagógicas, pela competitividade e pelo pragmatismo imediatista que predomina no mundo dos negócios.

Tô no Rumo: Como é que essa lógica de gestão por resultados, de competitividade e de pragmatismo se explicita?

Márcia Ângela Aguiar: Pernambuco se destaca, atualmente, no contexto nacional, no que tange ao crescimento econômico, desfrutando de uma posição estratégica em vários setores produtivos e tecnológicos.  Para incrementar essa posição, o governo estadual implantou um modelo de gestão que tem foco em resultados. Ao constatar o fraco desempenho das escolas estaduais no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2005, o governo implantou o Programa de Modernização da Gestão Pública para a educação com ênfase nos processos de planejamento e gestão das escolas, com a parceria do Movimento Brasil Competitivo e com o Instituto Nacional de Desenvolvimento Gerencial.

O foco do programa é a melhoria dos indicadores educacionais do Estado, sobretudo do índice do Ideb e do Sistema de Avaliação de Educação de Pernambuco (Saepe). O governo definiu metas a serem cumpridas, ano a ano, pelos gestores das unidades de ensino e das Gerências Regionais de Educação. As metas anuais definidas por cada escola são explicitadas no Termo de Compromisso que contempla vários indicadores considerados influentes no tocante à melhoria da qualidade do ensino. Esse termo é assinado pela gestão da escola e pela Secretaria da Educação.

Para assegurar o cumprimento do termo e desenvolver ações de intervenção foi implantado um Sistema de Monitoramento das escolas, realizado periodicamente. A meta de cada escola é utilizada para o cálculo do Bônus de Desempenho Educacional, instituído pelo governo estadual, um incentivo financeiro destinado aos profissionais de todas as escolas que atingirem as metas propostas. A unidade que alcança 50% da meta recebe a metade do bônus, e a partir daí será considerado o intervalo de 10% até atingir 100% da meta.

Houve, em 2008, a decisão do governo estadual de ampliar a rede de escolas do ensino médio, aperfeiçoando o modelo de gestão vigente e contando com o aporte de empresas do setor privado. Buscou-se difundir o modelo de educação integral, com foco na interiorização das ações do governo e na adequação da capacitação da mão de obra, conforme a vocação econômica da região. Previu-se também consolidar o modelo de gestão para resultados para as EREMs, com o aprimoramento dos instrumentos gerenciais de planejamento, acompanhamento e avaliação. Pode-se afirmar com base em análises dos documentos e de acompanhamento das ações da secretaria estadual de educação que o processo de expansão da rede de escola do Ensino Médio situa-se no contexto do planejamento global das ações do governo estadual e obedece à lógica da gestão de resultados.

Tô no Rumo: A meta do governo é que rede possa atender 80% dos estudantes da rede até 2014. Considerando a realidade dos jovens pernambucanos, é possível que um percentual tão significativo de matrículas da rede estadual de ensino sejam feitas na modalidade integral? Jovens pobres e trabalhadores terão chances de acessar escolas com jornadas de 7 horas?

Márcia Ângela Aguiar: Para garantir que 80% dos estudantes do Ensino Médio sejam atendidos em escola de tempo integral o governo terá que elevar o montante de recursos destinado a este nível de ensino considerando o quadro de pessoal (formação, salário, carreira), manutenção e ampliação da rede física e os equipamentos necessários a esta expansão com qualidade. Além disso, para assegurar que jovens pobres e trabalhadores, segmento vulnerável aos processos de exclusão social, tenham chances de acessar escolas com jornadas ampliadas, como reconhecimento do direito à formação cidadã, será necessário instituir meios de subsidiar a sua permanência no sistema, com programas de apoio e a concessão de um auxílio financeiro mensal (bolsa). Este é um grande desafio para o governo estadual.

Tô no Rumo: Quais as estratégias e opções que estão sendo criadas pelo governo o que poderiam ser criadas pelo governo para quem não integra a "rede de referência"?

Márcia Ângela Aguiar: De acordo com informações da própria Secretaria, haverá expansão gradativa das escolas de tempo integral no Estado. Contudo, é necessário avaliar cuidadosamente os resultados desta experiência pedagógica que está em curso no Estado para além dos resultados obtidos no Ideb no sentido de que esta ampliação possa cobrir toda a rede de escolas na perspectiva de uma formação cidadã. Se este não for o objetivo a ser alcançado em curto prazo, é provável que se torne um gueto privilegiado, com um forte atrativo para a entrada de segmentos da população de mais elevado status econômico-social.
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Fonte: Tô no Rumo

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