Ensino Religioso confessional pode virar regra nas escolas

Acordo entre governo brasileiro e Vaticano fala em Ensino Religioso confessional nas escolasAula de religião. Matheus está no 1º ano do Ensino Médio e não é católico, nem protestante, é umbandista. A aula tem um conteúdo cristão, que não é partilhado por sua fé.

 

Matheus tem liberdade para sair da sala e não assistir a aula, assim como qualquer outro jovem que queira fazê-lo. Enquanto isso, Matheus fica na biblioteca. Mas ele se sente constrangido, a turma o olha estranho, o professor parece não ficar muito contente com a saída de sala do garoto.

Matheus é um personagem fictício, mas há vários jovens como ele que não se sentem confortáveis com as aulas de religião, muitas vezes voltadas para uma única crença. Não são todas as escolas que oferecem a disciplina, mas a Constituição Brasileira diz que a oferta é obrigatória para o Ensino Fundamental, apesar dos alunos não serem obrigados a se matricularem. De acordo com um estudo recente “Ensino Religioso: qual o pluralismo?”, em sete estados e no Distrito Federal a oferta do conteúdo também é estendida para o Ensino Médio.

Os governos estaduais são os responsáveis por regulamentar o Ensino Religioso, por isso a diferença no tratamento da questão em cada estado. Segundo a pesquisa, Bahia, Rio de Janeiro, Goiás, Paraná, Rondônia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal são os que estenderam a obrigatoriedade da oferta de Ensino Religioso também para o Ensino Médio. O estudo foi financiado pela Universidade de Brasília (UNB) em parceria com a entidade Comissão de Cidadania e Reprodução.

Um acordo entre a Santa Sé, o órgão máximo da igreja católica, e o governo brasileiro em novembro de 2008 está preocupando organizações ligadas aos direitos humanos, à educação e às ciências, até mesmo grupos religiosos. O acordo, chamado de concordata, ainda precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional e pelo Senado Federal. Nas duas casas, a matéria tramitará por algumas comissões. No último dia 12, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara já aprovou um relatório favorável.

Caso isso aconteça também nas outras comissões e plenários da Câmara e Senado pode ser definida, por exemplo, a previsão de ensino religioso nas escolas públicas – tanto o ensino católico e de outras confissões religiosas.

Ensino religioso no estado laico é incoerente?

Em 2008, quatro jovens da igreja evangélica Geração Jesus Cristo, do Rio de Janeiro, depredaram um templo de Umbanda. Imagens foram quebradas e freqüentadores do templo insultados. As cenas de como ficou o lugar após a depredação foram parar nos jornais e telejornais da cidade e a opinião pública condenou os atos de vandalismo.

Para o professor de Ensino Religioso Jorge Alexandre Alves (35) uma abordagem confessional na disciplina pode resultar em casos de intolerância religiosa como o descrito acima. Jorge leciona Ensino Religioso em uma escola privada e se negou a participar do concurso público para professor da área no Rio de Janeiro por julgar que o edital feria princípios como a laicidade do estado. No Rio de Janeiro, o Ensino Religioso é confessional, ou seja, está ligado a abordagem de alguma religião específica.

“Qualquer pessoa com uma licenciatura poderia participar do concurso e posteriormente deveria obter uma autorização da autoridade religiosa correspondente para lecionar a disciplina”, explica em entrevista ao EMdiálogo. “O professor é um funcionário público, então, esse tipo de processo é inconstitucional porque vai contra a laicidade do estado”, defende.

Ao dizer que o estado brasileiro é laico, nossa Constituição afirma que o Brasil não professa ou mantêm relações de interdependência com nenhuma religião específica e garante a liberdade de culto e expressão de todas elas.

Apesar de ser católico, Jorge conta que suas aulas não são planejadas a partir da abordagem confessional, mas sim baseadas na educação para o fenômeno religioso.

“Se trata de uma abordagem fenomenológica, reconhecida academicamente que entende a religião por uma dimensão humana, que trata da religiosidade humana como um todo e não de uma religião específica. Temas como o que é religiosidade, transcendência, o rito, a comunidade de fé, as modalidades de crença são discutidos em sala de aula”.

Nesse sentido, o professor formado em Ciências Sociais com pós-graduação em Ensino Religioso, aposta que a função dele não é priorizar uma religião em detrimento de outras e acredita que a disciplina deve ser oferecida nas escolas, mesmo as públicas, desde que não tenha uma abordagem confessional.

“Eu tenho que falar sobre as crenças, mesmo que determinada crença não seja a minha. Tenho alunos que após as aulas resolveram procurar diversas religiões”, conta.

Para jovem da Igreja Batista, na rede pública não deve haver a disciplina

Henrique dos Santos (22), seminarista e responsável por uma Congregação Batista de Jovens na cidade de Niterói, acredita que não deve haver Ensino Religioso nas escolas públicas. “Muito menos confessional”, diz em entrevista ao EMdiálogo.

“O Estado brasileiro é laico, por isso sou contrário ao Ensino Religioso na escola pública. Acredito que deve haver conteúdos que discutam a ética, mas disciplinas como a sociologia já ajudam muito nisso. Religiosidade é algo muito íntimo”, opina.

Henrique não concorda com o recente acordo celebrado entre o Vaticano e o governo federal.

“Historicamente não é respeitada a pluralidade religiosa em nosso país, apesar dos princípios de liberdade religiosa e laicidade do estado brasileiro. O artigo 11 do acordo entre o Vaticano e o governo brasileiro, que fala sobre o Ensino Religioso nas escolas, fala em confissão católica e outras confissões. A expressão já é seletiva, traz essa carga de diferenciação entre a igreja católica e as outras religiões”, observa.

O jovem da igreja Batista salienta que ao criticar o acordo não pretende um “autoritarismo às avessas”, ou seja, não quer que a religião professada por ele também logre um acordo do mesmo tipo. Ele ressalta ainda que tem “um grande respeito pela igreja católica” e reconhece os vários movimentos que existem dentro dela, nem todos com as mesmas visões expressadas pelo Vaticano.

“O que defendo é a liberdade de expressão religiosa para que ninguém se sinta oprimido por professar determinada fé, isso é, inclusive um princípio cristão”, lembra.

Debate sobre o acordo governo brasileiro e Vaticano

No último dia 17 de agosto, a organização Ação Educativa promoveu em São Paulo um debate sobre a “concordata” assinada entre o governo Lula e a Santa Sé no ano passado.

Participaram da atividade o deputado federal relator da matéria na Câmara dos Deputados, Chico Abreu (PR-GO), a socióloga e integrante da organização Católicas pelo Direito de Decidir, Dulce Xavier, o deputado federal e titular da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Ivan Valente (PSOL-SP), o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin Leão, a professora da faculdade de educação da USP, Roseli Fichmann e o advogado e coordenador do Programa Ação na Justiça da Ação Educativa, Salomão Ximenes.

Confira aqui a opinião dos participantes do debate

E como ficam os ateus diante do acordo?

Em toda essa discussão, é importante lembrar que há pessoas que não professam nenhum tipo de religião, são os ateus ou agnósticos. Também em entrevista ao EMdiálogo, Daniel Sottomaior, da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) diz que o preconceito contra os ateus, que já é bem alto, tende a aumentar caso o acordo seja aprovado.

"Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, [os ateus]  são o grupo que sofre mais preconceito no país, recebendo repulsa e antipatia de 41% da população, índice pior do que o enfrentado por usuários de drogas. Membros de comunidades de terreiro também sofrem preconceito, e isso só deve piorar com a divisão gerada pelo ensino religioso – quando não pelo próprio conteúdo".

Acesse o texto da Concordata - acordo entre governo brasileiro e a Santa Sé - na página do Ministério das Relações Exteriores

E você, o que pensa sobre o Ensino Religioso na escola? 

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Ensino Religioso na Escola

Sou seminarista Batista, responsável por uma Congregação em Aracaju - Se.

Também sou contra o Ensino Religioso na escola, pois esse é o papel da familia e das igrejas. O Estado deve cuidar da liberdade de expressão do brasileiros, já que somos um país laico e democratico. O papel do Estado é proporcionar uma educação de qualidade, para isso precisa capacitar seus professores dentro de padrões éticos, sem ferir os principios religiosos de qualquer individuo. Já tive oportunidade de vivenciar situações de constragimentos aos evangélicos em sala de aula, pois muitas vezes os professores não respeitam a fé do aluno.

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imagem de Igor Etevan Torres Almeida

O Ensino Religioso na Escola

 Ser um país laico não priva o Brasil do dever de ensinar sobre a moral e sobre os credos. Sou plenamente a favor do ensino religioso em nossas escolas, hoje tão desfiguradas por uma crise de recursos e de valores, num conflito diário e compreensível na deficiência de "apego transcendente". Antes de tudo, recorde-se que vivemos (n)uma democracia, onde as opiniões são ouvidas, mas prevalece a voz da maioria (ou assim deveria ser, pelo menos...). Entretanto não poderia esquecer de comentar que entendo o ensino religioso não como o estudos de conceitos de uma ou outra fé, mas como conscientização moral, ética, social, humana e, segundo conveniência, até religiosa. Não concordo que se aplique o "Catecismo", mas os elementos que, sendo comuns às religiões, contribuam para o bem pessoal e comunitário do indivíduo. Infelizmente, más experiências levam alguns a descrer em tão valioso meio educativo, mas não se deve ignorar a necessidade humana e o seu direito do transcendente, como não se deve esquecer da "maioria" cristã e adepta do ensino religioso (lembram da democracia!?). Temos uma tradição religiosa e isso é inegável. Lancem referendos, plebiscitos e todas estas variantes de consultas populares legais... E veremos como prevalecerá o direito de termos em nossas escolas instrumento de tamanho valor na formação dos que se dizem (e são ditos, com razão!) PRESENTE e FUTURO da nação e da humanidade.

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