Ensino Religioso confessional é doutrinação, afirma fundador da Associação de Ateus

Para ATEA, é impossível haver Ensino Religioso é inconstitucionalA Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) é uma das organizações que tem se posicionado contra o acordo assinado entre o governo brasileiro e o Vaticano, órgão máximo da Igreja Católica.

Nessa entrevista concedida por correio eletrônico ao EMdiálogo, Daniel Sottomaior, associado-fundador da ATEA, expõe a opinião da entidade sobre o Ensino Religioso nas escolas públicas.

Para ele, a disciplina vai contra a função da escola de fornecer elementos para o pensamento crítico e capacidade de questionar dos jovens.

EMdiálogo - Que implicações pode ter a concordata entre o governo brasileiro e a Santa Sé para as escolas?

Daniel Sottomaior (ATEA) - A concordata não prevê obrigatoriedade, mas prevê ensino confessional, o que contraria a LDB [Lei de Diretrizes e Bases], que veda "quaisquer formas de proselitismo". Ora, não existe ensino confessional sem proselitismo.

Através do ensino confessional em escolas públicas, as religiões sequestram a infra-estrutura do Estado para seus próprios fins e conferem a si mesmas uma dupla aura de oficialidade: primeiro, porque esse ensino provém do Estado, com todo o peso e força que isso lhe confere. Segundo, porque esse ensino religioso se apropria do mesmo espaço que as áreas do conhecimento cuja solidez está bem estabelecida na sociedade, como ciências, humanidades, línguas.

Como poderá o aluno distinguir entre a confiabilidade dos conteúdos das aulas de geografia e matemática e o conteúdo das aulas de religião, se uma vem depois da outra sem qualquer aviso?

Se o aluno julgar pelo contexto idêntico em que essas proposições lhe são apresentadas, imaginará que aceitar a concepção virginal e a transubstanciação das hóstias é dever intelectual de qualquer pessoa minimamente bem informada, da mesmíssima maneira que aceitar o heliocentrismo ou o teorema de Pitágoras.

É evidente que os alunos de ensino religioso não têm maturidade intelectual para perceber a diferença, e nem os professores de ensino religioso estarão dispostos a explicá-la.

Que fique claro: ensino religioso confessional é um eufemismo para doutrinação religiosa. Muito mais do que informar, o objetivo dessa doutrinação é submeter os alunos a proposições intelectualmente indefensáveis, dando-lhes um nome respeitável.

Isso é exatamente o oposto daquilo que a educação deve fornecer ao aluno, que é a capacidade de questionar e de pensar criticamente. Aparentemente os partidários do ensino religioso não se importam: a aceitação plena e inquestionada da doutrina é parte integrante do comportamento religioso, mas esse tipo de atitude não pode jamais ser confundido com o que se entende por ensino, quanto mais incentivado sob a égide do ensino público.

Também cabe apontar que mesmo o ensino facultativo traz uma série de problemas porque no mais das vezes os alunos sequer sabem que o ensino é facultativo, e os professores e diretores utilizam essa desinformação para que o ensino se torne, de fato, obrigatório. Além disso, a facultatividade estigmatiza e deixa sem atividades os alunos que não aderem ao ensino religioso.

Os ateus, por exemplo, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, são o grupo que sofre mais preconceito no país, recebendo repulsa e antipatia de 41% da população, índice pior do que o enfrentado por usuários de drogas. Membros de comunidades de terreiro também sofrem preconceito, e isso só deve piorar com a divisão gerada pelo ensino religioso – quando não pelo próprio conteúdo.

EMdiálogo -Como a ATEA pretende agir diante da possibilidade?

Daniel Sottomaior (ATEA) - Caso a concordata seja aprovada, a associação irá aos tribunais, se juntando a tantas outras entidades que têm lutado contra esse acordo.

EMdiálogo - A entidade considera que o Ensino Religioso pode prejudicar a qualidade da educação, quando conflita, por exemplo, a teoria evolucionista com o criacionismo?

Daniel Sottomaior (ATEA) -As proposições religiosas sobre a natureza sempre conflitam com as científicas, e não é só no caso do criacionismo. As ideias de que orações intercessórias têm efeito, ou de que existe uma coisa chamada alma, por exemplo, também já foram desmentidas pela ciência, da mesma maneira que o criacionismo.

Ensinar o contrário às crianças e jovens é promover ativamente a desinformação, papel inadmissível para a importante instituição da escola.

EMdiálogo - Que sugestões vocês propõem para substituir a temática abordada pelo ensino religioso, como valores éticos e morais?

Daniel Sottomaior (ATEA) - Em primeiro lugar, é preciso terminar o debate a respeito da conveniência e da possibilidade de se levar a cabo tais discussões de maneira efetiva, e em matéria à parte. Essas questões ainda estão em aberto.

Caso se defina que ética e moral devem fazer parte do currículo, eles podem ser incluídos em uma aula de filosofia, cujos professores estão realmente habilitados a falar de filosofia moral de maneira abrangente e não sectária (ao contrário dos sacerdotes e professores de religião) ou mesmo transversalmente em outras matérias. Mas o primeiro dever de uma abordagem séria do tema seria mostrar que a religião não é a criadora nem detém o monopólio dos preceitos éticos.

Conheça o site da ATEA
 

E você, o que pensa sobre o Ensino Religioso nas escolas?

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Concordata Brasil-Vaticano

  O Brasil é importante demais para ficar de joelhos perante o Vaticano (Estado criação de Mussolini para defender o Catolicismo). Se os católicos querem um ensino confessional, que o faça em suas dependências às suas próprias custas. Não é justo que quem não seja católico o custeie. Além disso tem o constrangimento, e apartir daí mais discriminação, de se deixar a sala de aula e ficar sem atividades sendo reparado por todos como "quem não é cristão ou católico".

Querem que o Brasil seja confessional, como Irã, Afeganistão, atentar contra a laicidade da Democracia plena, que nunca foi o forte das religiões, aliás laicidade que os católicos reclamam onde são minoritários.

  Como já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em acordo entre líderes partidários, ainda resta ao Senado, mostrar que tem um mínimo de respeitabilidade e não deixar o Brasil ser parasitado nas Forças Armadas, hospitais, presídios, e - mais grave em função da catequese - escolas públicas.

Atte Anderson

 

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Acho realmente um absurdo

Acho realmente um absurdo forçar as pessoas a acreditarem, e também a assistirem pregações nas salas de aula... Estou no primeiro ano do ensino médio, sou ateu desde que me entendo por gente, nunca fui de aceitar sem procurar comprovações. Ano passado eu tinha aulas de "Religião" em minha escola (Escola pública), sempre a professora me encarnava porque eu me recusava a fazer os exercícios propostos, mas ninguém (com excessão dos amigos) sabe que eu não tenho religião.

 

Acho também errado os pais obrigarem os filhos a seguirem a religião que eles seguem. Quando eu me revelei como ateu em minha família, e parei de ir na catequese (eu só ia obrigado) fizeram um tremendo escarcéu, que eu precisava de deus na minha vida e tudo mais.... Realmente ridículo

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O que o Vaticano quer? Mais dinheiro?

A educação já é prejudicada demais pela religião. (Não é coincidência que os países com melhor nível de escolaridade possuam os maiores índices de ateísmo e agnosticismo.) Os estudantes perdem a credibilidade nas autoridades de conhecimento porque, muitas vezes, o que um professor de Ciências ou de História ensina é conflitante com suas ideias religiosas – isso quando não chegam a ridicularizar os professores que ensinam evolucionimso ou algo sobre as origens do universo.

Ensino religioso nas escolas seria, sem dúvida, um lamentável retrocesso.

Ainda, como cidadão brasileiro, não compreendo por que devemos nos render ao Vaticano, em detrimento de nossa educação e em favor da manutenção de um poder baseado em grandes e pequenas mentiras.

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Ensino religioso ou imposição religiosa?

 Desaprovo totalmente a disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas, pois tal ensino implica sectarismo religioso e imposição de uma determinada visão dogmática ossificada culturalmente que impede a reflexão crítica. A escola deve ser laica e ao invés de uma concepção monolitíca (cristã) deveria-se implantar um disciplina que tratasse as religiões e as diversas visões de mundo de modo imparcial colocando sob o crivo da razão os aspectos culturais, históricos, antropológicos e filosóficos das religiões. Isso caberia, penso eu, à filosofia.

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imagem de Mary Miranda

Pela pluralidade religiosa

Acho válido o ensino religioso, seguindo os devidos parâmetros da LDB: fazendo uso do caráter plural.

Com a diversidade cultural e religiosa vigente em nosso País, configura-se em verdadeiro absurdo usar-se da força da "tradição" católica para se angariar novos adeptos para o Catolicismo.

Já na época dos jesuítas, onde os pobres índios eram massacrados com o "estupro cultural" que ocasionavam os religiosos, era mais que indevida essa posição da Igreja; agora, em pleno século XXI, é mais que arbitrário.

Sou a favor do caráter laico de ensino, salvo em caso supracitado (isto é, colocando-se em prática o não proselitismo) é que poderia ser aberto um parêntese no ensino em nossas escolas públicas.

Avançamos tanto para dar essa volta para o "túnel do tempo"?

Esperemos mais "salubridade mental" de nossos governantes...

Respeitosamente,

Mary.

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Ensino confessional não é proselitismo

olá, amigos.

sou proifessor de ensino religioso, que no colégio batista chama-se "Ética Cristã".

além dessa matéria, também ministro sociologia e filosofia, uma vez que tenho formação em Ciências Sociais e Teologia.

como teólogo e sociólogo, acho que existem muitos equívocos acerca da temática religião; um deles, que percebi numa das respostas do entrevistado desse sítio, diz respeito ao possível caráter proselitista do ensino confessional. discordo que ensino confessional seja sinônimo de proselitismo, pois ensino ética cristã e não faço qualquer tipo de proselitismo, apesar de o colégio ser de confissão protestante.

o que fazemos é ensinar valores morais e éticos, tendo as palavras e os gestos de Jesus como uma referência. se porventura algum aluno não concordar, tem toda a liberdade de falar em nossas aulas.

discordo radicalmente da opinião do entrevistado de vocês, pois os meus alunos mais interessados na aula são os ateus e os católicos (a maioria é de católicos, apesar de o colégio ser protestante). curiosamente, ao serem perguntados do porquê de matricularem os seus filhos lá, os pais, em geral, afirmam que é por causa dos valores éticos e morais que seus filhos aprendem nas aulas de ensino religioso!

entendo também ser equivocada a posição do entrevistado quando fala que a ciência comprovou a ineficiência da oração intercessória, pois existem pesquisas científicas que comprovam que pessoas que têm o hábito de orar ou aceitam oração intercessória, têm realmente uma recuperação muito mais rápida. a ciência comprovou isso!

outro equívoco: o criacionismo não pode ser provado cientificamente. o evolucionismo também não. as duas visões não passam de teorias. não se pode afirmar com certeza que uma ou outra está completamente correta. existem lacunas sérias nas teorias. o evolucionismo precisa responder a razão de tudo ter parado de evoluir. por que razão os primatas não evoluem mais? por que só um grupo "mereceu" a evolução? em que momento começou? em que momento parou e por que? se não parou, por que não temos alguns "quase humanizados"?

gostaria de terminar a minha fala indicando uma leitura: "Não tenho fé suficiente para ser ateu", de Norman Geisler e Frank Turek. é uma leitura que vai ajudar a elucidar questões pontuais na temática da religião. leitura obrigatória para quem quer discutir num nível acima de uma opinião  pouco embasada ou proselitista.

um abraço a todos.

liberdade, beleza e Graça...

http://cleintongael.blogspot.com

 

 

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imagem de ENGODO DE DARWIN

O Ensino Religioso é a forma

O Ensino Religioso é a forma de combater essa mentira do evolucionismo, vale ressaltar que Estados Americanos como Dakota do Sul, Texas, Lousiana, OKlahoma, Kentucky já adotaram por Lei o ensino do criacionsimo. É preciso ter muita fé para crer que Darwin com sua Teoria, e não um fato, mas uma teoria, esteja certo. Parabéns ATEUS, pela sua grande fé.

  

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Resposta à Engodo de Darwin

Olá Engodo de Darwin,

O objetivo do ensino religioso nas escolas não seria ensinar esta ou aquela religião, mas sim, educar o aluno para o mundo com diversas orientações culturais, religiosas e etnicas. Após o contato com todas essas manifestações de forma isenta (que é o papel da escola) o aluno democraticamente poderia escolher de forma voluntária a religião que julgar mais condizente com as suas opiniões.  Além disso, ele deverá desenvolver um respeito às diversas expressões religiosas e culturais e deve assumir a postura de não pregar uma religião ou um credo. Sobre os estudos de Darwin,  você não acha que, mesmo uma pessoa não concordando, ela deveria ter o direito de conhecer tal teoria? De fato a teria não possui indicios conclusivos, mas já faz parte dos clássicos da ciência moderna. 

Abraços,

Lili Palhares e Marcos Antônio

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imagem de Róger Silva

Ensino religioso nas escolas uma tremenda "furada"

Não sou ateu, não; mas acho o ensino religioso nas escolas uma tremenda "furada". Não pelo suposto conflito entre ciência e religião, até porque, ao contrário do que alguns desinformados metidos a sabem tudo pensam, nem sempre a ciência depõe contra a fé. Mas porque de fato o proselitismo inevitavelmente acontece, transgredindo assim o laicismo de um estado democrático, que tem o dever de respeitar, proteger e garantir a liberdade de cultuar ou não um ser divino ou mais que o indivíduo preferir. Embora a religião dê um propósito à vida humana que não apenas o de acabar, preenchendo uma lacuna da ciência (ainda incapaz de explicar o homem na sua inteireza); o seu ensino nas escolas só tem fortalecido as maiorias religiosas em detrimento de outros credos. E isso é inadmissível, é inaceitável.

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imagem de Liliane Oliveira Palhares da Silva

Resposta à Róger Silva

Olá Róger Silva,

Você tem razão. De fato é um risco o Ensino Religioso nas escolas fortalecer as religiões ditas hegemônicas. Porém, o fato de retirarmos ou não uma disciplina no currículo não impedirá que os professores de outras áreas tenham tal atitude. Concorda?

Devemos formar melhor os nossos professores para que no exercício de sua função não exerça posturas tendenciosas frente a tão controvérsio tema. Os professores do Ensino Religioso devem trabalhar com o seu tema de forma mais abrangente, dando um foco maior na história das religiões Incluindo as religiões afro-brasileiras, indígenas, entre outras e discutindo a influência destas no cotidiano das pessoas.

Abraços,

Lili Palhares e Marcos Antônio

 

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