Ensino pedagógico tem muitos desafios

Alunos valorizam o colégio, mas ser professor do primeiro segmento
 nem sempre está nos planos dos estudantes

David reclama do preconceito com professores do sexo masculinoO Instituto de Educação Clélia Nanci, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro mantem dois turnos de Ensino Médio pedagógico. Os alunos que se formam lá estão habilitados para serem professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental. Ao contrário do curso de formação geral, o pedagógico tem quatro anos e não três.

A maioria dos estudantes do colégio é de meninas. “Para mim vai ser mais difícil ser professor do que para as meninas. Existe um desprezo pelos professores homens, há esse preconceito, não sei se é pela sociedade que a gente vive, porque tem vários casos de pais matando filhas, violentando”, reflete David Coube (18), aluno do 2º ano da tarde.

A partir do 2º ano, os alunos do pedagógico precisam fazer estágio em escolas, observar de perto como outros professores ministram aulas de 1ª a 4ª série.  David diz que enfrentou dificuldades quando precisou fazer oito dias de estágio. Ele acabou conseguindo assistir as aulas no próprio Clélia Nanci.

Para a diretora adjunta da tarde, Summaya Costa, essa realidade está mudando. “Quando as escolas telefonam para cá nos pedindo indicação de alunos para trabalharem, também indicamos rapazes que são bons alunos”, conta.

Apesar dos problemas para ser professor, David diz que gosta muito de estudar no Clélia Nanci. Segundo o jovem, existe uma troca grande entre os alunos e professores, que em sua visão, são também “educadores”. “No meu caso o melhor vai ser formar aqui e depois fazer uma faculdade para poder ser professor para alunos mais velhos, de 14, 15 anos”, planeja.

Wallace de Assis, aluno do 3º ano da tarde, também gosta da escola. “Já tinha estudado em colégio de formação geral e não me adaptei. Eu queria me formar em alguma coisa, não queria sair do Ensino Médio sem nada no currículo. Antes, eu não me interessava nas aulas. Hoje eu penso que o que estou aprendendo aqui vai me ajudar no futuro”, relata. Wallace quer ser professor de matemática ou de química, e para isso precisará de um curso superior.  

Faculdade está no horizonte dos alunos

Wallace, Nitiren Pacheco e Vinicius Peixoto, ambos do Grêmio Estudantil 20 de julho, grafitavam o muro de um dos pátios do colégio. Eles contam que o projetoVinny não quer ser professor e Wallace não queria terminar o Ensino Médio sem nada no currículo do grafite foi escrito por eles e autorizado pela direção.

Os três dizem gostar de estudarem no Clélia Nanci. Quanto a serem professores, Nitiren diz que não está nos seus planos necessariamente ser professor, mas trabalhar na área de educação como inspetor, por exemplo. Ele planeja também cursar uma faculdade - de Educação Física.

Já Vinicius Peixoto (18), do 4º ano, estudava a noite no mesmo colégio, cursava o Ensino Médio de formação geral, mas mudou para o turno da tarde. Entre os motivos para ter mudado de turno, ele ressalta que a realidade do noturno é muito diferente, “todos chegam cansados do trabalho”.

Vinny, como Vinicius gosta de ser chamado, não quer ser professor. “Estudando aqui a gente vê a vida que os professores levam, há uma questão de falta de reconhecimento, do estado não se importar muito com eles. Esse é o ponto principal para eu não me interessar por ser professor”. O estudante está fazendo pré-vestibular aos sábados, mas não sabe ainda que faculdade pretende cursar.

Para a aluna Yasmin Justino (16) estar num Ensino Médio pedagógico “é a maneira mais fácil de não ter que trabalhar no comércio depois que se formar”. Ela diz que a mãe a incentivou a estudar num curso pedagógico. Yasmin diz que pretende ser professora de 1ª a 4ª série por um tempo, “já que é meio expediente” e que assim poderá custear uma universidade. A carreira por enquanto não está definida, mas pode ser como enfermeira.

“A maioria das meninas que estudam aqui já saem com um emprego garantido”, acrescenta.

Já que a universidade é um caminho para muitos dos alunos do Clélia Nanci, eles precisam então lidar com outro problema: a formação deficiente que recebem em disciplinas, sobretudo, das áreas exatas e biológicas. A partir do 2º ano, os alunos não têm mais disciplinas como física, química e biologia.  No currículo, passam a ser oferecidas matérias relativas à formação do professor, como prática pedagógica.     Até o 3º ano, os alunos ainda tem os conteúdos de geografia e história.

Yasmin acredita que o conteúdo dessas outras disciplinas deveria ser oferecido concomitantemente as específicas do pedagógico.   

Vocação: professora

Isabella (de frente) diz que desde criança quer ser professoraSer professora é o sonho de Isabella. “Eu acho uma profissão muito linda, perfeita, o professor ali está cultivando uma pessoa”, comenta. Ela estuda no Clélia Nanci a vida toda, diz que vai se aposentar na escola, como diretora. “Eu tenho o Clélia Nanci como um orgulho, apesar de todas as dificuldades. Essa escola dá mais valor ao professor do que as outras escolas”. Para Isabella deveria haver mais colégios de formação de professores.

Isabella e Sheila Gonçalves (40), ambas do 2° ano, conversavam no intervalo. Sheila é cabeleireira e já tinha concluído o Ensino Médio. Apesar disso, com o desejo de trabalhar com crianças, voltou a estudar no pedagógico depois de 22 anos. Como já tinha uma formação geral, eliminou o 1º ano e passou a cursar as disciplinas do pedagógico do 2º em diante. Ela diz que o melhor seria cursar uma faculdade de pedagogia, mas não teria condições para pagar a universidade.

Sheila também cobra a existência de mais escolas de formação de professores, sobretudo no turno da noite, já que ela, por exemplo, é uma das que precisava trabalhar no período da tarde, mas não pode por causa da escola. Ela diz que pela idade que tem, não pensa em ser professora de 1ª a 4ª série, mas em trabalhar com crianças de outras maneiras.

“Pela minha idade eu penso em projetos sociais em alguma comunidade. Eu sou cabeleireira, maquiladora e depiladora, queria saber como ter um maior entendimento da cabecinha infantil para plantar uma semente. Eu quero mostrar para eles como eles podem escolher uma profissão na área de beleza, de cuidados pessoais. Tem crianças que não sabem escovar os dentes e nem pentear cabelo. Quero mostrar como é bom se cuidar”, explica.

As estudantes ressaltam que a maioria das colegas delas querem cursar uma faculdade depois de concluírem o pedagógico, o que se torna um problema por causa das dificuldades de passarem no vestibular. “Elas tem o emprego garantido, mas não conseguem passar numa federal, por exemplo”, aponta Sheila.

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imagem de fabio Lennon Marchon dos Santos

Formação de Professores/ Matemática

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A formação dos futuros professores deve ser  priorizado não somente nas universidades como também nas instituições em nível médio como o Clélia Nancy.

Saber "fazer algo", em determinada área do conhecimento, não necessariamente o habilita para lecionar este conhecimento. Ótimos matemáticos, por exemplo, não necessariamente são bons professores de matemática. Analogamente, conhecer métodos e práticas de ensino, ter uma boa fundamentação sobre didática e filosofia de ensino não necessariamente o tornam apto para lecionar áreas específicas do conhecimento. Existe ainda a questão da cópia ou imitação de exemplos anteriores, deixe-me ser mais claro, muitos dos futuros professores tendem a tomar como base a maneira de se ensinar que conheceram, assim irão ensinar da mesma forma como aprenderam.  

O futuro professor deve ter uma boa fundamentação em diferentes áreas do saber, tendo ciência que está num "universo comum" entre estes distintos campos de conhecimento.

As características próprias da matemática, por exemplo, como sua evolução histórica e os obstáculos inerentes à construção deste saber  diferem substancialmente de outras áreas (história, geografia, etc). Existem intersecções é claro, contudo, a formação dos jovens de 15 a 18 anos em nível médio para o magistério deve ser bem fundamentado e estruturado.

Como professor do ensino fundamental e médio, considerando um determinado conceito - divisibilidade por exemplo- tenho visto muitos alunos com uma imagem de conceito distinto das definições deste conceito. Em muitos casos, uma compreensão mal formada e, ao mesmo tempo, enraizada na mente dos alunos. Uma imagem construída, quando construída, com base no que aprendeu ateriormente.

Ainda existe muito o que dizer, mas por hora é só...

F.L.M.S.

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