Uma Reflexão Sobre Culturas Juvenis

         Uma reflexão sobre a cultura jovem que ficasse na inércia do plano teórico engavetado, passiva no recesso mental do pesquisador, seria inútil. O jovem também sempre desconfia de uma onipotente sabedoria que não se materializa. Tem a necessidade do contato sensível para conferir a existência das coisas. Essa desconfiança pode ser dissolvida se a experiência for demonstrada logicamente. Se a materialidade racional da teoria for levada à sua constatação.  O jovem também tem que oferecer seu olhar à sua própria condição e contribuir ativamente para a formulação de sua situação real estabelecida e a ideal, a ser buscada por ele mesmo.
      Os dilemas do mundo atual o são para toda a sociedade. Mas os jovens, aos quais em nossa cultura (na ocidental de forma geral, mas tendendo a se universalizar) não são oferecidos espaços definidos de atuação política e relações de poder suficientes para a transformação material e cultural do sistema. Os meios econômico-financeiros, políticos, artísticos, jurídicos, já estão definidos segundo uma hierarquia de valores que contemplam ainda determinados interesses.
      A indústria cultural, tendo padronizado o gosto, estabelece sob a força dissimulada na atratividade das imagens, veiculadas pela tecnologia, inicialmente pela televisão, estabelece valores estéticos desprovidos de qualquer relação com as condições existenciais e materiais do indivíduo, tornando-o um consumidor de fetiches sem significados relevantes para a sua existência..
      A alienação do trabalho, do gosto e da espiritualidade, não pode produzir um ser completamente sadio e crítico, consciente de seu espaço interior íntimo e exterior social-político. Produz um ser ausente do mundo e de si mesmo; cada vez mais sujeito à manipulação da vontade e da ação. Um ser que reproduz, potencializa e multiplica o poder alienante que o destrói como um ser de ricas e múltiplas aptidões reunidas num todo complexo e harmônico. Torna-o inutilizado para a sua realização plena. A alienação o destrói como homem. Ressalto, aqui, a ênfase na palavra produz, produção – fábrica, modelos iguais.
      Uma Educação para o benefício dos jovens não pode estar a serviço de forças que o destroem. Um Estado comprometido com o poder do Capital ( através do financiamento de campanhas políticas de seus gestores) não pode oferecer uma educação que priorize as necessidades próprias da condição humana e sua identidade, em prejuízo do mercado como veículo da realização do capital. Uma sociedade razoavelmente esclarecida da essência da sua humanidade não pode se submeter à escravização imposta pelo mercado. Vivemos num círculo cada vez mais fechado e realimentado pelo vício. A realimentação é feita pela massa média que também é mercado e, portanto, membro articulado do capital.
        Igualmente, uma série de condições como classe, lugar onde vivem,  gerações a que pertencem e a própria diversidade cultural perpassam os modos de ser/estar jovem, impossibilitando falarmos de uma juventude única, mas, sim tratarmos de juventudes, no plural. Logo, há múltiplas maneiras de “ser” e “estar” jovem, considerando as diversas possibilidades que se apresentam nos planos econômicos, social, político e cultural. As múltiplas culturas juvenis – que poderíamos nomear de “juventudes plurais”, vêm se constituindo na própria superfície da contemporaneidade, produzindo significativas mudanças não somente nos sujeitos, mas também nas próprias instituições responsáveis por sua formação, a exemplo da escola.
           A este respeito, consideramos de suma relevância para o campo educacional colocarmos em pauta quem são estes jovens que “invadem” a cena contemporânea com seus diferentes estilos e marcas culturais.
          O paradigma adequado para compreender a Modernidade em seu estágio anterior seria fundir a fim de solidificar dando conta de explicar a forma como houve a emergência de uma série de saberes,  especialistas e estratégias que passaram a gerir de forma produtiva a população, a partir de formas de pensar que objetivavam o controle minucioso e a ordem para a construção de uma nova sociedade e de novos sujeitos.
          A modernidade propositou absorver, superar ou suprimir quaisquer formas que fugissem ao seu ordenamento, marcando o tempo ao ritmo do seu projeto, criando determinadas formas e solidificando-as, definindo suas dimensões de maneira clara e mensurável, produzindo assim, uma noção determinada de tempo e espaço.
        Contemporaneamente, vivemos a liquefação das formas sólidas que nos constituíam ao longo desse processo, embora não tenhamos nos desfeito das mesmas, apenas foram eliminadas as formas que não permitiam sua fluidez, produzindo-se uma renegociação dos seus significados.  Assim como as substâncias líquidas, as instituições, os fundamentos, os padrões e as rotinas não tendem a manter sua forma por muito tempo, já que “(...) entramos em um modo de viver enraizado no pressuposto de que a contingência, a incerteza e a imprevisibilidade estão aqui para ficar” (BAUMAN, 2010, p. 13).
         É neste solo movediço, imbricando-se as profundas mudanças ocorridas na modernidade líquida, que se produz uma série de deslocamentos e alterações no que denominamos juventude. Pergunta-se: se algumas gerações estiveram marcadas por grandes guerras, outras por ditaduras ou, ainda, por outros acontecimentos, quais seriam as marcas, os signos, as metáforas, as condições dos jovens do século XXI? Poderíamos ainda afirmar que “ser/estar/parecer/ jovens,  numa leitura atual, é dizer que se é dono de uma identidade juvenil - é assumir uma prática cultural.
           Pesquisas sobre práticas culturais juvenis contemporâneas trazem importantes pautas para nossa discussão sobre o tema, ao propor tomar como foco de suas análises diferentes cenários em que se produzem esses determinados modos de “ser” e “estar” jovens. Sujeitos que muitas vezes nos inquietam por nos parecer “estranhos”, “alienígenas”, “fora da ordem” da paisagem moderna que nos constituiu como sujeitos a partir de um conjunto de instituições e procedimentos. Estes jovens que adentram na cena contemporânea têm se caracterizado por suas diferentes culturas, que se constituem em muitos lugares ao mesmo tempo, jovens que convivem desde a infância com o surgimento de novas tecnologias, modificando as noções de tempo e espaço, permitindo novas relações.  As produções permitem inferir que não há uma única juventude a ser narrada, mas múltiplas formas de “ser” e “estar” jovem que se produzem contingencialmente.  Assim,  não servem mais identidades que ofereçam igualdade ou continuidade, pois nos diminuiriam as opções, num mundo que exige quantas mais opções possíveis e abertas as mudanças, torna-se imperativo a flexibilidade.
        Portanto, talvez não sejam os jovens propriamente que estejam desordenados, parece que vivemos na era dos desencaixes: diferentes tamanhos, formas, estilos mutáveis que colocam os homens em movimento, sem prometer um lugar de chegada.        Não são apenas os valores que se embaralham e os marcos que se derretem, as instituições erguidas sob a égide da ordem – a exemplo da escola – veem-se desafiadas diante do papel de formação de outros sujeitos para outra sociedade. Neste sentido, consideramos pertinente o desenvolvimento de pesquisas sobre juventudes que se proponham a assumir como pauta a análise sobre culturas juvenis, problematizando assimetrias nas relações de poder presente entre o olhar do pesquisador, adulto, e os sujeitos-jovens pesquisados.

 

REFERÊNCIAS

Textos proporcionados no Seminário Avançado: Juventudes, Ensino Médio e Metodologias participativas. UFSM

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Ed, 1999.
______. Tempos líquidos. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Ed, 2007.