Procura-se seres inventivos

Compartilho aqui fragmentos do texto de introdução do livro “100 jogos dramáticos” de Maria Clara Machado e Marta Rosman. Apesar de ser um livro antigo não é desatualizado, pois podemos notar que a temática levantada pelas autoras continua presente no cotidiano escolar. No texto Maria Clara e Marta justificam a importância dos jogos dramáticos e do teatro fazerem parte da educação e estar presente na escola. Elas falam do trabalho com crianças, mas tal realidade pode ser claramente transposto para nossos jovens das escolas públicas.

FECHE OS LIVROS E ABRA OS OLHOS
Creio que escandalizo alguns quando, num país onde não existem livros aconselho a fecharem os livros; mas creio também que dou grande alívio à maioria, dizendo que, antes de mais nada, o pobre cidadão brasileiro [...] está se entupindo cada vez mais de teorias, de ideias, muitas vezes aplicáveis a outros países mais desenvolvidos, mas que no Brasil só servem para sobrecarregar a inteligência, sem enriquecer a sensibilidade, que, desenvolvida, abrirá mais satisfatoriamente as portas para uma cultura de fato e não de fachada. [...] O objetivo do ensino deveria ser de formar gente para viver num determinado lugar e não formar diplomados ignorantes de seus próprios problemas, adormecidos por erudição não digerida. [...]
[Se o aluno] aprende a abrir os olhos para as pequenas coisas que o rodeiam, se ele aprende a amar de fato as árvores, os animais, a água do rio ou do mar, os peixes, o vento, a chuva, o barro, a terra, o pé de milho, a flor, as estrelas, o que há de melhor nesta “pátria amada Brasil”, se ele começa a aprender a tirar conclusões, ele aguça a curiosidade, o espírito inventivo, a imaginação. Aprendendo a absorver o mínimo, a sua ânsia de absorver o máximo começa a se desenvolver e ele aprende também a raciocinar, a desejar mais, a não se contentar com pouco. Quando fiz meu curso primário, chorei vários dias para decorar as capitanias hereditárias [que] foram para mim tão surrealistas quanto [...] para qualquer menino que tem que decorar o nome de ilustres e enfadonhos desconhecidos que passaram pela história do Brasil, ou todas as ruas de seu estado, sem nunca terem posto o pé nestas ruas. Que bom se estes meninos aprendessem a amar a própria rua e soubesse o nome das padarias, das sorveterias, dos vizinhos, dos leiteiros, de seus problemas e aflições comuns.[...]
A falta de exercícios de expressão espontânea nas crianças vai tornando-as máquinas de repetir conceitos, pobres robôs, cópias mal feitas de adultos ressequidos, porta-vozes do que se ouve todos os dias nos programas de televisão, anúncios ambulantes de produtos comerciais, imitadores de heróis mal representados, mal idealizados, veículos puros de uma agressividade mal dirigida e mal controlada. Para onde estamos encaminhando a enorme capacidade criativa, a sensibilidade ao mundo que a rodeia, este mundo já tão pouco natural da vida de cidade, tão abafado e desligado do mundo da criança? E os professores? Também abandonaram sua sensibilidade e capacidade de criar, num programa rígido e sobrecarregado de teorias pseudopedagógicas. [...]
Acho que através [dos] jogos [...] pode-se encontrar o caminho mais curto e mais atuante de se chegar, ou melhor, de se voltar a um estado de receptividade, de espontaneidade, de libertação da imaginação [desenvolvendo] o espírito de observação, o sentido estético e social da vida. Através da observação de situações dramáticas, o aluno toma consciência de sua personalidade, de suas próprias reações e também de sua responsabilidade.

Ensinar não é a transferência de conhecimento, como decorar as capitanias hereditárias, mas “criar as possibilidades para sua própria produção ou sua construção” (FREIRE, 2011, p.47). E, ainda, como coloca Freire a curiosidade é a mola propulsora para a construção do conhecimento, então porque não valer-se de práticas como as artes dramáticas para aguçar essa curiosidade de nossos jovens?

Fonte:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
MACHADO, Maria Clara; ROSMAN, Marta. 100 Jogos Dramáticos. 20ª Ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001.

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Comments

imagem de João Carlos Moraes Perdigão

Mais jogos, mas educadores assim

Brincadeira também é aprender!

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imagem de Valéria Pereira Minussi

Brincadeira ensina...

Isso mesmo João, as vezes uma atividade lúdica, uma brincadeira faz com que se construam conhecimentos que não seriam aprendidos em uma aula expositiva em que o professor "deposita" nos alunos os conteúdos a serem ensinados. Sendo a atividade lúdica muito mais interessante e envolvente para o aluno e, acredito, para o professor também.

Abraços,

Valéria

 

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