A presidente também pode contribuir para diminuir a evasão escolar, de maneira imediata?

A criação do piso para agente comunitário de saúde e a evasão escolar
 

Recentes matérias, novamente, vêm sendo veiculadas na mídia acerca da evasão escolar no ensino médio. Em matéria publicada pelo site da Folha Boa Vista (1)(ver referência no final) , observa que ”apenas 58 por cento dos estudantes brasileiros concluem o ensino médio, segundo um estudo do Banco Internacional de Desenvolvimento, o BID.” Já em outra matéria publicada no site do jornal O Povo (2), de Fortaleza, afirma que “aos 19 anos, 47,8% desistem do ensino médio.”
Estas reportagens não diferenciaram evasão de abandono escolar, todavia, ambas argumentaram que a falta de interesse é a causa mais provável dessa desistência. Na primeira matéria, apontou que o estudo do BID “revelou ainda que a maioria dos estudantes entre 13 e 15 anos que não vão à escola colocam na falta de interesse, o motivo para o abandono.” Assim como a segunda matéria, que citou a fala do professor da Universidade Federal do Ceará e consultor da Secretaria Estadual de Educação, Daniel Lavor, que disse: “No mundo todo, a principal causa (da evasão) não é questão de trabalho. É a falta de interesse.” Lavor também observou que os cursos profissionalizantes voltados para o mercado de trabalho tem dado melhor resultado contra a evasão escolar, visto que “o aluno percebe uma relação com o mundo real muito mais forte do que no currículo tradicional.”
Bem sabemos que são vários os motivos que levam os jovens a se interessarem em ir para a escola. Carrano et al (3) observam que pode ser para fazerem amigos, abrigarem-se da violência do próprio meio em que vivem, fora da escola, entre outras razões. Ainda destacam esses autores que:
Enquanto para alguns jovens estudantes a escola representa uma obrigação que os pais ou a sociedade impõem, para outros, estudar está diretamente relacionado à sua inserção no mercado de trabalho. Assim traçam planos para o futuro profissional e esperam que a escola contribua para a sua mobilidade social. (CARRANO et al, 2013, p. 51)
Ou seja, sem dúvida que o interesse pela formação para o mercado de trabalho tem grande peso para atrair o jovem à escola, uma vez que, para esse estudante, o trabalho já começa a ter um significado muito importante em sua vida, desde essa fase. “[...] além de ser fonte de sobrevivência e geração de renda, [...] o trabalho é também espaço de socialização e sociabilidade, de construção de valores e construção de identidades.” (CARRANO et al, 2013, p. 37) 
Neste sentido, quando um jovem ou qualquer pessoa pensa em como se capacitar para o mercado de trabalho, sem dúvida que será mais atraído por um curso profissionalizante que propicie, por sua vez, atuar em uma profissão que possua regulamentação do seu exercício profissional, visto que isto indica o reconhecimento institucional e social de sua atividade.
Desta forma, a notícia da sanção nesta quarta-feira,18 de julho, do piso salarial de R$ 1.014 em todo o país para os agentes comunitários de saúde, pela presidente Dilma Rousseff, vem ao encontro dessas medidas necessárias para atrair o estudante e evitar a evasão escolar. Isto porque, como apontam os estudiosos deste tema, a falta da regulamentação de uma profissão de nível médio, que trate das garantias mínimas do seu exercício, acaba se tornando um dos grandes desestímulos para os estudantes do seu respectivo curso técnico.
Apesar de a presidente ter vetado a vinculação de um índice de reajuste de salário anual, assim como a criação de um plano de carreira, além do piso, como informa o site do jornal O Globo (4), os profissionais dessa categoria também obtiveram a conquista de que sua contratação somente aconteça por meio de concurso público, “salvo na hipótese de combate a surtos epidêmicos”. Atualmente, o novo piso deve atingir aproximadamente 260 mil agentes comunitários de saúde, “além de 63 mil agentes de combate a endemias do país.”
Estas conquistas de regulamentação profissional, como esta para a categoria de agentes comunitários de saúde, também indicam a valorização da qualificação do seu respectivo curso técnico ou superior. Em um artigo  intitulado A Regulamentação das Profissões de Saúde no Brasil, Girardi et al (5), ao analisarem os projetos de lei que dão entrada no congresso visando a regulamentação de profissões, observam que aqueles apresentam, entre outras características básicas em seus dispositivos, o seguinte critério acerca do sistema de entrada do profissional na ocupação: “que [o sistema] envolve o estabelecimento de escolaridade e conhecimento de conteúdo profissional mínimos, em geral oferecido por um curso profissionalizante já regulamentado pelo sistema educacional.”
Mais adiante, os autores ainda tratando dos projetos de lei, voltam a relacionar regulamentação profissional com exigência de escolaridade:
Com raras exceções, as profissões que demandam regulamentação do exercício apresentam exigências de que seus candidatos tenham o nível de escolaridade correspondente ao ensino médio, além da habilitação em um curso profissionalizante específico da área, reconhecido e autorizado pelo sistema educacional.
Portanto, ao menos os estudantes do curso de Agente Comunitário de Saúde, ao verem sua futura profissão sendo melhor regulamentada, uma vez que esta profissão já havia sido criada em 2002, terão mais este incentivo para não abandonar a sala de aula. O ideal, é claro, seria que este tipo de conquista, a regulamentação da profissão e o estabelecimento de um piso salarial, fosse estendida para todos os cursos profissionalizantes.
Indubitavelmente é fato, quando se pensa em diminuir a reprovação e abando escolar, a grande relevância da preocupação com as questões mais próprias do seio escolar, como bem aponta a professora da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Observatório 
do Ensino Médio desta instituição, Monica Ribeiro da Silva (6) , em seu artigo publicado na revista Carta Capital, quando afirma que se deve “pensar em escolas em condições plenas de realizar educação de qualidade, que acolham e que permitam a vivência de uma experiência formativa significativa, diversificada, plena.” Condições estas, que por sua vez, “[...] não podem ser pensadas dissociadas das lógicas de organização curricular.”
Mas, assim como, por outro lado, ainda sobre esse tema da evasão escolar, não podemos deixar de nos descuidar do valor das ações governamentais, na forma de políticas públicas, e, portanto, também de reivindicá-las. Como foi o caso da sanção aqui tratada, de uma política pública voltada aparentemente apenas para o mercado de trabalho e não para a educação,  podendo nos fazer incorrer no erro de entender que por ser em âmbito nacional estaria longe do chão da escola ou dos problemas próprios dela.
Todavia, quando o poder executivo regulamenta uma profissão de nível médio, a torna mais valorizada, e consequentemente mais atraente para os estudantes do seu respectivo curso profissionalizante, e, neste sentido, contribui também para combater a evasão escolar de forma muito mais imediata do que muitas outras ações, também desejáveis, promovidas dentro do meio escolar.

Referências:

1- Alta evasão escolar do Ensino Médio é resultado de procura por emprego, aponta especialista. Disponível em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?id=170694. Acesso em: 20 jul. 2014.

2- Aos 19 anos, 47,8% desistem do ensino médio. Disponível em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2014/07/16/noticiasjornalcot.... Acesso em: 20 jul. 2014.

3- BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do ensino médio, etapa I – caderno II. Curitiba: UFPR/ Setor de Educação, 2013.

4- Dilma sanciona com vetos piso de R$ 1014,00 para agentes comunitários de saúde. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/dilma-sanciona-com-vetos-piso-de-1014-par.... Acesso em: 20 jul. 2014.

5- GIRARDI et al. In: A regulamentação das profissões de saúde no Brasil. Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar q=regulamenta%C3%A7%C3%A3o+profissional&btnG=&hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5    file:///C:/Users/K-11/Downloads/RPSB.pdf

6- SILVA, Monica Ribeiro da. Mais cautela 
com os números: um olhar cuidadoso afasta alarmismos 
na queda de matrículas no Ensino Médio. Disponível em: http://www.cartanaescola.com.br/single/show/318/mais-cautela-com-os-numeros. Acesso em: 20 jul. 2014.