Os desafios do ensino noturno: paradoxo conteúdo e evasão.

Pessoal segue um texto que escrevi quando ainda estava na faculdade. Acredito que tem muito haver com os assuntos abordados no primeiro encontro, ou seja, a evasão no Ensino Médio e qual o real papel tomado por essa fase na escolarização dos discentes no Brasil.

 

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OS DESAFIOS DO ENSINO NOTURNO:  O PARADOXO CONTEÚDO E EVASÃO 
Paulo Ricardo B. Junior1 
RESUMO 
Este artigo é fruto de uma pesquisa realizada no Colégio Estadual Pio Lanteri, localizado no Bairro Uberaba, periferia da cidade de Curitiba. O estudo aborda algumas dificuldades marcantes presentes no ensino noturno, entre elas a questão da flexibilidade dos conteúdos e o alto índice de evasão escolar. Além da pesquisa bibliográfica, foram realizadas entrevistas com alunos, visto que são esses os maiores prejudicados pelas várias mazelas encontradas no quadro educativo brasileiro. 
Palavras-chave: ensino noturno; evasão escolar; aluno trabalhador.                       
                                                 1 Estudante de História da Universidade Tuiuti do Paraná. Professor da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná. e-mail: paulohm87hotmail.com 
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INTRODUÇÃO   Não é fácil fazer uma análise consistente sobre o ensino noturno no Brasil, principalmente pelo fato do mesmo não constituir-se num objeto de estudo  privilegiado  pelos pesquisadores da educação no país. Por esta razão, torna-se difícil desenvolver articulações sobre diferentes períodos e métodos aplicados nessa modalidade específica de ensino. Algumas características, no entanto, são universais a respeito do tema. Uma delas, e a mais importante diz respeito ao fato de a maioria dos alunos serem trabalhadores, que necessitam terminar seus estudos para permanecer no serviço, ou até mesmo para alcançar uma promoção. Um outro ponto a ser estudado, consiste na forma como são aplicados os conteúdos a serem ministrados, assim como na qualidade desses, pois muitas vezes há uma “aliviada” nas matérias ensinadas, ou seja, uma faciilitação. Esta facilitação aos alunos do noturno, é, contudo, paradoxal em relação ao rendimento dos estudantes, pois o índice de reprovação é maior entre aqueles que freqüentam  à escola à noite. Outra grande barreira a ser vencida é a evasão escolar. O alto nível de reprovação do noturno não é um problema só da atualidade. O livro de Célia Pezzolo de Carvalho, “Ensino Noturno:” realidade e ilusão, publicado na década de 1980 já apontava este paradoxo. Pezzolo concluiu que; “ em síntese, ensina-se menos a noite, exige-se menos e reprova-se mais”.2  Portanto, as questões levantadas são: Por que o alto índice de evasão no período noturno, já que existe uma facilitação dos conteúdos? E até que ponto a flexibilidade do conteúdo prejudica a formação dos alunos que estudam a noite? A resposta a esse paradoxo é objetivo central deste artigo. Mais do que isso, pretende-se ainda apontar possíveis soluções para que ao menos se atenue esse problema.      
                                                 2CARVALHO,Célia Pezzolo de. Ensino Noturno: realidade e ilusão. 9 ed. São Paulo, Cortez, 2000. ( Coleção: Questões da Nossa Época; V.27) p.57.  
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DESENVOLVIMENTO 
A EXPERIÊNCIA DO COLÉGIO ESTADUAL PIO LANTERI 
Como já dito anteriormente, existem sim problemas externos às escolas que podem ser considerados universais; é preciso, porém admitir que há no interior das instituições de ensino peculiaridades culturais próprias, que podem ser modificadas, como bem ressaltou Antônio Nóvoa: 
Depois de três décadas consagradas a análise da externalidade dos processos educativos sublinhando a longa duração das suas mudanças e de suas continuidades, chegou o tempo de olhar com mais atenção para a internalidade do trabalho escolar... a construção do conhecimento escolar, a organização do cotidiano escolar, as vidas e as experiências de alunos e professores:eis  algumas das problemáticas que precisam ser abordadas.3 
Partindo deste princípio de uma experiência própria e não de uma universalidade que muitas vezes pode tornar-se um tanto quanto genérica, escolheu-se o Colégio Estadual Pio Lanteri como fonte do nosso estudo sobre o ensino noturno. É preciso, no entanto, antes de expor as particularidades do colégio Pio Lanteri, fazer uma breve exposição do meio social no qual o mesmo está inserido. O colégio está localizado no bairro do Uberaba, zona leste da cidade de Curitiba, bairro este de classe média baixa, portanto, a população é composta em quase sua totalidade por trabalhadores do comércio ou operários de fábricas. A maioria deles tem seu serviço no centro de Curitiba, já que o bairro apesar de localizar-se em um extremo da cidade, o acesso para região central não é difícil, pois conta com diversas linhas de ônibus para isso. Isto se reflete claramente no quadro de alunos da instituição em questão, pois a maioria dos alunos do noturno do colégio Pio Lanteri mora no próprio bairro, com algumas poucas exceções.  É importante destacar que isso não significa que os alunos vêm de casa para os estudos, pelo contrário a maior parcela segue direto do trabalho para as aulas, o que já resulta num sério motivo para a queda do rendimento dos mesmos. O colégio conta hoje com duas séries no ensino fundamental – 7ª e 8ª séries – e com o Ensino Médio completo no período noturno. O número total de alunos que estudam a noite na Instituição é de 283, mas isso não significa que o numero de alunos hoje seja este, já que os dados foram retirados do cadastro de matriculados no inicio do ano letivo de 2010. A idade
                                                 3 NÓVOA, Antonio. História da Educação: perspectivas atuais. Lisboa:[s. n.] ,1994. P. irreg. 
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dos alunos não é tão homogênea quanto à do período matutino, isto porque além de jovens entre 16 a 20 anos, a escola conta ainda com muitos adultos que voltaram a estudar. Dentre estes adultos, alguns com mais de 30 anos, muitos decidiram voltar estudar no regular em detrimento do EJA- Ensino de Jovens e Adultos – que é oferecido por diversas escolas da região. Percebe-se que a maioria dos estudantes quer terminar seus estudos apenas para manter-se no emprego, ou para alcançar um posto mais elevado dentro da própria empresa em que já estão empregados. Este objetivo de se manter empregado, ou de conseguir uma promoção, tira dos alunos do noturno objetivos que estão muito mais presentes naqueles que estudam pela manhã, como por exemplo, o desejo de passar no vestibular e ingressar em uma universidade. É evidente que há exceções, e apontar estas exceções é um dos objetivos deste trabalho, mas elas serão discutidas mais adiante, quando for apresentado o ponto de vista dos próprios alunos por meio das entrevistas realizadas. Interessante que este simples projeto de manter-se no mercado de trabalho, mesmo que para exercer a função em que já estão inseridos, não é uma questão atual. Desde décadas atrás esse problema está presente na educação brasileira, fato verificado na obra de Célia Pezzolo:  
Justificam continuamente que, por trabalharem não podem render na escola, mas deixam claro que o que realmente querem é apenas passar pela escola. 4 
É fundamental destacar que os aspectos trabalhados até aqui como: alunos trabalhadores, baixa exigência nos conteúdos do noturno e falta de objetivos maiores são dificuldades encontradas em diversas escolas de ensino noturno. No entanto, interessa-nos a especificidade e a internalidade da cultura escolar dessa instituição. O “Pio Lanteri” tem procurado alternativas para tornar o período em que os alunos ficam na escola menos desgastante. Estas especificidades serão trabalhadas adiante, mas não do ponto de vista da direção e dos professores. Serão ouvidos os próprios alunos, pois assim será possível  concluirmos se as alternativas do “Pio Lanteri” têm surtido efeito positivo ou se são apenas empreitadas paliativas como tantas outras existentes na educação brasileira.    
                                                 4 CARVALHO. op. cit. p.102 
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A FLEXIBILIDADE DO CONTEÚDO, EVASÃO E A PERDA DE   OPORTUNIDADES 
Como já apresentado, lamentavelmente a maioria dos estudantes do “Pio Lanteri” não tem a oportunidade de se dedicar apenas aos estudos, as necessidades particulares forçam estes jovens e adultos a terem que conciliar durante todo dia o trabalho e vida educacional.  Por apresentar este quadro, o Pio Lanteri não se diferencia da maioria dos colégios de ensino noturno no Brasil, ou seja, é levado a flexibilizar os conteúdos, evitando que os alunos sejam sobrecarregados.   Se esta situação for analisada de forma superficial o parecer deveria ser, que esta “aliviada”, é extremamente correta já que assim os alunos se sentem animados a continuar nos estudos.  O outro lado da moeda, por sua vez, é que lamentavelmente grande parte das pessoas que estudam a noite acaba ficando  em situação de desvantagem em relação aos demais estudantes, e cedo ou tarde são prejudicadas por isso.  Alguns alunos percebem isso, e mesmo sendo trabalhadores, sabem que esta facilidade encontrada não é boa para eles. A aluna Juliana do terceiro ano, assim relatou sobre a questão: Estudei de manhã, já aqui é tudo muito liberal, ficam fora da sala, fumam, bebem, o ensino é mais fraco, aqui você também não precisa se esforçar para passar, o ensino é bem fraco...
Ela ainda fez observações sobre os professores: Uma minoria não esta preparada, mas falta autoridade, a maioria não respeita (os professores). Só que são aqueles que não fazem nada que  querem cantar de galo.           A fala desta aluna revela nas entrelinhas dois pontos importantes, ao contrário do que muitas vezes se pensa, nem todos os alunos do noturno acham benéfica a flexibilização dos conteúdos, pois sabem que precisarão estudar menos, mas por outro lado tem consciência de que seus conhecimentos são  reduzidos na mesma proporção. Outro ponto diz respeito a capacidade dos professores, a aluna admite que são capacitados, no entanto, não têm autoridade. Isto é reflexo de outro problema na educação brasileira que é a situação do quadro docente. Muitos professores ministram mais de 40 horas semanais para poder suprir suas necessidades. Alguns preferem aulas no turno da noite porque em tese trata-se de um período mais tranqüilo. Na verdade não existe falta de autoridade sempre, e sim um pouco de descaso dos professores que enfrentaram um dia inteiro de trabalho e à  noite acabam por deixar as aulas mais leves sem exigir tanto, até mesmo em disciplina.  
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Segundo a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 205 da Carta Constitucional:
     
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho 5 
       Se analisarmos criticamente a Constituição Brasileira no que se refere a educação, concluímos  que a escola deve produzir no individuo a capacidade necessária para trabalhar, bem como para atuar de forma plena na sociedade. Tratando-se de uma sociedade capitalista que por vezes dificulta o desenvolvimento da criticidade das pessoas, é visível que a escola ainda é, na maioria dos casos, uma simples reprodutora de contingente laboral.        É possível notar que os próprios alunos sabem que estão na escola apenas para poder trabalhar, sobretudo, no noturno, pois os alunos em sua maioria  estão nas fileiras das fabricas, nos balcões do comércio ou ajudando suas famílias durante o dia para poder sobreviver. Isto se reflete, por exemplo, na fala da aluna Stella 2º ano: “Trabalho de dia, é única opção e estudo a noite, eu não queria, mas não há o que fazer”               Em relação à formação para o trabalho, observamos que em partes a escola tem cumprido seu papel, pois os alunos relatam que estudam para continuar no trabalho, mas a respeito da formação cidadã, dificilmente é possível se chegar a uma conclusão positiva. Se formação cidadã é a capacidade do individuo viver de forma autônoma com capacidade de refletir sobre as mazelas sociais do contexto em que vive e poder participar da construção de um mundo melhor, nota-se uma grande lacuna na experiência da educação brasileira, fato comprovado também no Colégio Pio Lanteri em Curitiba.             Acrescentando-se a isso tudo, há o problema da evasão, fruto principalmente do cansaço do dia-dia; isso se observa pelo número de alunos que diminui consideravelmente ao longo do ano na instituição estudada. O paradoxo da flexibilidade e reprovação é resultado disso, e não devido a dificuldade dos conteúdos. A reprovação em massa se dá pela falta dos alunos, e não pela dificuldade aplicada as matérias lecionadas.            AS ALTERNATIVAS DO COLÉGIO PIO LANTERI E SEUS RESULTADOS 
    Entre as especificidades do “Pio Lanteri”, destacam-se o horário alternativo do lanche no período noturno e tempo reservado para a leitura.
                                                 5 BRASIL, Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, p.38. 
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Sobre o horário do lanche, a direção decidiu servir a merenda logo após a primeira aula, pois segundo o Colégio, assim muitos alunos deixariam de ir embora antes do horário alegando estar com fome. O espaço dedicado a leitura, é reservado na primeira aula. Atribui- se nota para as disciplinas em que os alunos estão mais pendentes.  O resultado da merenda em horário alternativo surtiu efeito no rendimento dos alunos, que por sinal também é mais incrementada a noite. Isso ocorre porque os estudantes ficam menos impacientes quando alimentados, evidentemente, por conseqüência melhoram também suas notas, mas é preciso deixar claro que melhoram dentro de todas as limitações apresentadas anteriormente.  Sobre o horário de leitura é difícil fazer uma balanço, pois o projeto teve inicio em 2010. Um ponto positivo, por sua vez, é que alunos que nunca haviam aberto um livro, hoje lêem, mesmo que por imposição dos professores 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
  As medidas do “Pio Lanteri” são válidas em certa medida, principalmente no que diz respeito a preocupação endereçada aos alunos, e a sua presença na escola, no entanto, não têm por objetivo principal formar cidadãos autônomos e em igualdade de condições com alunos do ensino  diurno. Por de mais, não apenas o Pio Lanteri, mas a educação brasileira no geral, ainda não atingiu o ponto que, segundo Florestan Fernandes deveria colocar-ser a instituição escolar, ou seja: Deve-se criar uma pedagogia democrática – nota-se não ‘democrática’ porque confere a alguns o direito de mandar e a outros o dever de obedecer e por isso, atribuir compensação de votar, - porém democrática porque da a todos oportunidades iguais diante da educação escolarizada6              Segundo este teórico a educação deve ter por principal finalidade dar condições igualitárias de escolarização, com base nisso, concluímos que o ensino noturno brasileiro, ainda não atingiu este objetivo. A educação do noturno, ao contrário, por causa de sua flexibilidade de conteúdos, do alto índice de evasão decorrente da necessidade de conciliar trabalho e estudos, apenas aumenta as diferenças, colocando os estudantes em situação de atraso no que diz respeito a aquisição do conhecimento necessário para a transformação da própria vida, que dirá para a transformações no contexto social.                                                       6 FERNANDES, Florestan. Série: memória viva da educação brasileira, v.1. Brasília: MEC – INEP, 1991, p.58. 
 
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REFERÊNCIAS  
CARVALHO, Célia Pezzolo de. Ensino Noturno: realidade e ilusão. 9 ed. São Paulo, Cortez, 2000. ( Coleção: Questões da Nossa Época; v.27) 
FERNANDES, Florestan. Série: memória viva da educação brasileira, v.1. Brasília: MEC – INEP, 1991 
NÓVOA, Antonio. História da Educação: perspectivas atuais. Lisboa:[s. n.] ,1994. 
PARANÁ, Secretaria do Estado da Educação. Projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual Pio Lanteri. [20--?]. 
BRASIL, Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 
SANTOS, Maria Escolástica de Moura: Ensino Médio Noturno: do proposto ao realizado.2010. Dissertação de Mestrado, Teresina, UFP. Disponível em: www. Ufpi.Br/subsitefiles/pged/dissertações/resumo_dissertações.  Acesso em: 23 nov 2010. 
ZIBAS, Dagmar M.L.: Ensino Noturno de 2º Grau: a voz do corpo docente. Caderno de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas. São Paulo(78): 41-50 ago.1991 

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imagem de PAULO RICARDO BENEDITO JUNIOR

Artigo.

Trata-se de uma experiência local, não deve ser geral, mas espero que colabore com os estudos.

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