A relação com a escola ainda é um namoro, diz o coordenador de educação em ciências do MAST

Para Douglas Falcão, o professor precisa aprender a usar o espaço do museuA Astronomia parece interessante para muita gente, embora poucas pessoas saibam realmente do que se trata a ciência. Douglas Falcão, coordenador de educação em ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), conversou com o E.M Diálogo sobre como a escola pode se aproximar do museu. "Tem professor que chega e fala: ‘mãos para trás, não toque em nada, não fale, se comporte!", questiona Douglas. Para ele, o museu tem que ser explorado pelos visitantes.

 

EMdiálogo - Como funciona o MAST?

Douglas Falcão - No MAST existe a visita orientada e a visita livre. O professor só pode ter a visita orientada, onde a turma é recebida por um mediador do museu, se ele fizer o curso de capacitação. No primeiro dia útil de cada mês marcamos o encontro de capacitação do professor para os colégios que querem ter visita orientada. Chama-se "Encontro de Assessoria ao Professor". Nesse encontro a gente fala sobre o que é museu, educação informal e o que a diferencia da educação na escola. A gente mostra uma série de atividades que o professor pode fazer com os alunos antes, durante e depois da visita.

A idéia é instrumentalizar o professor para que ele use o museu como um recurso didático. Usar isso de acordo com objetivos específicos que ele venha a ter.

 

EMdiálogo - Como se dá o casamento entre a escola e o museu?

 

Douglas Falcão - Eu diria que ainda está um namoro, promissor, mas ainda um namoro. A gente precisa alinhar algumas expectativas. O professor se torna professor porque ele faz um curso de licenciatura. Até 20 ou 25 anos atrás, os museus de ciência não existiam. Então, boa parte dos professores no mercado nunca ouviu falar de museus e centros de ciência. Hoje em dia eles já ouvem, mas poucas licenciaturas incorporam em seus estudos o uso desses espaços. Se ao estudar teorias de metodologia e práticas do ensino o professor se formar em ambientes que ofereçam museus e centros como ferramentas, ele vai oferecer isso para seus próprios alunos.

Hoje em dia já é algo mais conhecido. Existem várias dissertações de mestrado e teses de doutorado que estudam a relação museu/escola e isso tende a aumentar. Primeiro porque o número de museus de ciência está aumentando, segundo porque a qualidade dessas instituições também está aumentando. Por outro lado, as universidades estão vendo que está ali e pode ser aumentado, o que nos permite a chegar bons resultados.

 

EMdiálogo - O que seria um bom resultado?

 

Douglas Falcão - O bom resultado é o professor saber usar plenamente esse espaço. É traçar estratégias de tirar proveito desse espaço.

 

EMdiálogo - E um resultado ruim?

 

Douglas Falcão - Um exemplo de aproveitamento pobre é o professor que se recolhe durante a visita e vai para a cafeteria ou só se preocupa com a postura. Tem professor que chega e fala "Mãos para trás, não toque em nada, não fale, se comporte." Os estudantes têm que ter um comportamento adequado, mas eles têm que poder explorar os museus.
Os próprios museus oferecem cursos de atualização, de como aproveitar o museu.

 

EMdiálogo - O interesse do jovem vem por meio do professor?

 

Douglas Falcão - A impressão que eu tenho é a seguinte: a estrutura típica da família que vem para o museu final de semana, uma criança de sete ou oito anos, às vezes de 13, e dois adultos. Adolescente vem pouco ao museu. Conforme vai ganhando independência pára de vir. As pessoas têm uma visão de museu como lugar de coisa velha, o que não se aproxima das demandas de um adolescente.

 

EMdiálogo - Como mudar isso?

 

Douglas Falcão - Ano passado usamos teatro para chamar as pessoas para vir ao museu. Quando vimos o impacto do teatro no adolescente, nós vimos que aí pode estar uma nova estratégia. Aí está um desafio: como museus e casas de ciência podem atrair jovens.

Quando eles se tornam adultos o interesse volta. Parece que o adolescente está querendo desenvolver práticas do mundo adulto, no aspecto social. Eles querem interagir com outros adolescentes. Enquanto os museus não notarem essa necessidade de interação, eles vão perder esse publico.

Quando adulto ele valoriza a visita ao museu como experiência educacional para enriquecimento próprio e dos filhos. Se ele vem quando criança ele retorna quando adulto.

 

EMdiálogo - E o que vocês fazem para tentar mudar esse quadro?

 

Douglas Falcão - Nós temos o site, o boca-a-boca (que realmente funciona) e, desde 2006, a visita estimulada, para trazer ao museu as pessoas que não têm o perfil de quem visita museus.

 

EMdiálogo - E qual seria esse perfil?

 

Douglas Falcão - Pessoas de classe média, com bons salários, brancos e de escolaridade alta. A classe media sabe e valoriza a visita ao museu como recurso para aumentar o capital cultural. Ela se apropria disso muito bem.

 

EMdiálogo - E como é a proposta da visita estimulada?

 

Douglas Falcão - A proposta é a seguinte: vamos a comunidades carentes oferecer visitas. Temos um ônibus confortável. Aí a gente fala para organizarem grupos familiares e a gente traz e leva vocês em casa. Trazemos as pessoas para o museu, oferecemos a visita guiada, com tudo que tem direito e depois levamos de volta. A gente quer saber qual o valor que as pessoas de comunidades carentes dão ao museu.

O resultado percebido nos dá a seguinte visão sobre o museu: "é importante visitar esse lugar porque ele é o lugar do conhecimento, o que é importante para todos, mas o que eu vejo aqui não me parece muito relevante para o dia-a-dia."

Se instituições como museus e centros de ciência querem trazer uma parte da população que não os visita, precisam se adaptar. A classe média vem muito, se identifica. É uma criação da classe média, as pessoas que trabalham em museus costumam ser da classe média.

A gente fez a pesquisa e agora está na segunda fase: descobrir o que fazer de diferente para que as pessoas passem a vir ao museu por vontade própria. A primeira coisa é fazer exposições onde as pessoas de classes populares se vejam. Os rostos de bebês que são escolhidos para as exposições nos museus convencionais são sempre branquinhos, de olho azul, redondinhos. Se as pessoas passarem a ver imagens mais semelhantes a elas mesmas, se sentirão permitidas a entrar nesses lugares. É mentira afirmar que as pessoas não vêm ao museu por causa dos preços caros.

As pessoas passam em frente e não se veem entrando num portão que está aberto. É algo que pode ser mudado paulatinamente e na qual podemos colher um resultado positivo. Trazer pros museus temas controversos e traçar as perguntas que mostrem a influência daquilo na vida das pessoas. Ao invés de falar "veja aqui como funciona uma fissão nuclear" falar "o que você acha de construir uma usina nuclear perto da sua casa?"

 

EMdiálogo - Como as pessoas enxergam a Astronomia?

 

Douglas Falcão - A astronomia sempre esteve numa posição privilegiada em relação as ciências. Quantos clubes amadores de química você conhece? E de matemática? Eu não conheço nenhum, mas de astronomia tem inúmeros. Há uma grande curiosidade das pessoas sobre a Astronomia.

O homem olha para o céu e precisa ler o céu há muito tempo. Se os homens não tivessem conseguido ler o céu como calendário e correlacioná-lo ao clima e tempo, tão importantes para a agricultura, nós não estaríamos aqui. A astronomia tem um vinculo que é quase instintivo. Ela poderia estar melhor se conseguisse capitalizar melhor essa vantagem. As pessoas têm uma visão muito positiva da astronomia, embora não tenham a menor noção de como a astronomia acontece.

 

EMdiálogo - E como acontece?

 

Douglas Falcão - Eu costumo brincar que hoje em dia um cego pode ser um astrônomo. Hoje em dia o que os astrônomos fazem é controlar remotamente telescópios que captam imagem e trabalhar usando programas que vão modelar as informações capturadas.

 

 

 

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