Fórum de Entidades e Movimentos Juvenis de BH lançam carta aberta

A gestão Lacerda tem sido muito criticada pelo setor cultural, em função de retrocessos políticos e cortes de orçamento na área, o que afeta, sobretudo, os grupos e artistas de periferia.

Por Fórum de Entidades e Movimentos Juvenis da Grande BH [30.11.2011 07h29]

Por uma cidade amiga da juventude, com cidadania e dignidade!
 
Belo Horizonte está muito longe de ser uma cidade modelo para a juventude brasileira. Para além das persistentes desigualdades e violências que afligem os e as jovens que aqui vivem, especialmente negros/as e pobres, o poder público local tem se recusado a construir uma política abrangente e inclusiva para o segmento. Como se não bastasse, nos últimos três anos a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) tratou de esvaziar os órgãos municipais de juventude: o Conselho foi desativado e a Coordenadoria vem sendo deliberadamente sucateada. O único projeto anunciado pelo prefeito Marcio Lacerda para o setor – o Centro de Referência da Juventude (CRJ) – tem se mostrado uma isca eleitoreira, contrária à participação popular.

Nós, do Fórum de Entidades e Movimentos Juvenis da Grande BH, temos denunciado essa situação em diversos espaços. Recentemente, em audiência pública realizada na Câmara Municipal, apresentamos nossas principais críticas e propostas frente aos atuais desafios, conforme carta lida na ocasião e amplamente divulgada nas redes sociais. Na carta, lembramos que a construção do CRJ é uma demanda histórica dos movimentos juvenis e defendemos que o projeto deve integrar uma política maior, tendo em vista que um equipamento isolado é incapaz de garantir os direitos da juventude. Também reivindicamos a criação de uma comissão de reestruturação do Conselho e um grupo de trabalho paritário, com participação da sociedade civil e da PBH, para discutir o CRJ. O resultado da audiência foi a criação de uma comissão paritária para contemplar ambos os assuntos.

Após participar de duas reuniões da comissão, nos dias 1º e 9 de novembro, percebemos que a PBH não está disposta a dialogar e, para a nossa surpresa, não é a cabeça do projeto. O Governo de Minas dirigiu todas as discussões, na figura do subsecretário estadual da juventude, Gabriel Azevedo, que afirmou que a obra deverá ser licitada até março de 2012, independentemente dos trabalhos da comissão. Cabe ressaltar que a PBH já havia comunicado que a obra do CRJ custará aos cofres públicos R$ 14 milhões, dos quais mais de 2/3 (R$ 10 milhões) serão financiados pelo Governo de Minas, por meio da Subsecretaria Estadual da Juventude, cuja verba anual, segundo o próprio subsecretário, é de R$ 16 milhões. Isso quer dizer que a maior parte do orçamento da Subsecretaria está voltada para apenas uma cidade e, dentro desta, para apenas um equipamento.
Ademais da ingerência do governo estadual sobre uma atividade instaurada dentro da PBH, em uma escancarada aliança eleitoreira, outras questões vieram à tona nesse processo. Enumeramos algumas delas a seguir:

  • Apesar das nossas solicitações, a PBH não disponibilizou o projeto do CRJ e as suas respectivas planilhas orçamentárias; até o momento, todo o conceito dessa política complexa se resume a uma planta arquitetônica e uma vaga apresentação de power point que têm sido orgulhosamente exibidos pela PBH;

  • A PBH negligenciou a demanda de reestruturação do Conselho, alegando que a comissão deveria se ater ao CRJ, e chegou a adulterar a ata da primeira reunião, suprimindo o que havia sido discutido sobre o tema;

  • Considerando-se que não existe um diagnóstico para o CRJ, propusemos que a PBH realize um amplo processo de escuta, por meio de pesquisas e seminários abertos à população, a fim de conhecer as expectativas e necessidades dos/as jovens da cidade. Em princípio, a PBH e o Governo de Minas acataram somente a ideia da pesquisa;

  • Na segunda reunião da comissão, a PBH e o Governo de Minas forjaram uma votação para eleger quais organizações da sociedade civil continuariam no grupo. Argumentamos que a comissão – uma instância informal e provisória – deveria ser aberta a todas as organizações interessadas, pois não seria possível estipular critérios justos e razoáveis para incluir ou excluir nenhuma delas. Lembramos que o Conselho é o espaço legítimo para eleger representantes da juventude, o que não se aplica ao caso da comissão. Entretanto, nos parece que a manobra já havia sido acordada com parte das organizações presentes e nossa argumentação resultou inútil. Decidimos não participar da votação.

Em repúdio à manipulação das discussões e à falta de transparência, nos retiramos da comissão por testemunhar um processo arbitrário e antidemocrático. Queremos deixar claro que a nossa saída não significa que estamos nos ausentando das discussões sobre o CRJ e as políticas de juventude como um todo. Muito ao contrário, seguiremos atuando nessa direção e fazendo valer o nosso direito à participação democrática.

Em meio a essa conjuntura, a PBH lançou uma campanha para projetar Belo Horizonte como a cidade da cultura e da juventude na Copa de 2014. Recebemos a notícia com estranhamento, já que o título não corresponde à realidade que conhecemos e a iniciativa surgiu de uma parceria bilateral com a ong Contato. Sem entrar no mérito da parceria, questionamos o fato de uma campanha com tal pretensão ter sido concebida fora dos debates públicos, como se uma única organização pudesse ser porta-voz dos interesses de toda a cidade.

Ao que parece, trata-se de uma campanha para fomentar a chamada economia criativa, mediante circuitos de negócios especializados em cultura e juventude. De uma hora para a outra, as autoridades locais passaram a enxergar a juventude como um filão. Será o fim das perseguições às manifestações culturais juvenis? Vem aí uma era inédita de direitos e oportunidades? Quem vai ganhar com o novo nicho de negócios?

A conta não fecha. O histórico que relatávamos antes indica um descompasso: uma cidade que não está empenhada em oferecer condições dignas para o desenvolvimento da sua população jovem não pode ser reconhecida como um bom lugar para a juventude. Ao mesmo tempo, sabemos que a gestão Lacerda tem sido muito criticada pelo setor cultural, em função de retrocessos políticos e cortes de orçamento na área, o que afeta, sobretudo, os grupos e artistas de periferia. As ofensivas contra o Duelo de MC’s, evento de hip hop realizado semanalmente sob o viaduto Santa Tereza, simbolizam o tratamento dispensado pela PBH às culturas juvenis. Há quase quatro anos lutando para conseguir apoio da PBH em medidas básicas, como instalação de banheiros químicos e policiamento adequado, os/as jovens do Duelo vivem sob a constante ameaça de perder o espaço e sofrer abusos policiais. Se fecharmos os olhos para essa conjuntura, talvez não haja nenhum descompasso. Mas pode ser que a campanha para a Copa não tenha nada a ver com os dilemas da cidadania. Sendo uma sacada mercadológica e que poderá beneficiar alguns grupos privilegiados, a conta fecha direitinho.

Não seremos pautados por interesses eleitoreiros. Recusamos um CRJ feito a toque de caixa, de maneira obscura, sem um projeto consistente e blindado ao diálogo. Não compactuamos com uma identidade de fachada para BH, distante da vida real da maioria das pessoas. Queremos uma cidade verdadeiramente democrática, amiga da juventude, hoje e depois de 2014.
 
Fórum de Entidades e Movimentos Juvenis da Grande BH
Belo Horizonte, 28 de novembro de 2011.

 

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