Trabalho: vilão ou herói para os jovens

Trabalho: vilão ou herói para os jovens

  A dura realidade vivida pela maioria de nossos jovens exige que cada vez mais cedo se abandone os sonhos da infância e os desejos da adolescência para se adentrar na vida adulta. A realidade não bate na porta só quando somos adultos, ela está lá desde a infância, nos mostrando que a luta pela sobrevivência é cruel. Muitos de nosso jovens tem que desde cedo batalhar para se sustentar a si e, por vezes sua família. A bolsa família não dá, e o salário, quando se tem, é insuficiente, o jeito é colocar todos para trabalhar. Se crianças e adolescentes trabalham para suster famílias, o que não dizer de jovens.
E, lamentavelmente, o trabalho exercido por boa parte de nosso jovens é um trabalho fatigante e alienante, que não contribui de forma positiva para sua constituição como sujeito que reflete sobre realidade e que tem poder de agir sobre ela, construindo um futuro diferente de seu presente. O ser humano tem que exercer o trabalho da forma e na época certa. O ser humano tem que vivenciar cada fase de sua vida de forma plena, fazendo o que é típico de cada fase, não pulando etapas. Dependendo da época e do local vivido o ser humano desfrutará de certas experiências em cada fase. As crianças antes brincavam em ruas de “pira se esconde”, hoje elas brincam de jogos nos celulares. Os adolescentes de tribos africanas passam por rituais diferentes daqueles de um grupo de brasileiros de uma favela. O jovem de hoje em dia não se comporta e nem se veste da mesma forma daquele da época de nossos pais. O jovem de uma grande metrópole como São Paulo, não fala e nem tem a mesma visão de mundo de um que mora na zona rural de um município do interior do Pará.
Os jovens de nosso Pará são os mais diversos possíveis. Temos jovens que moram na beira de rios e tem estes como sua ruas. Temos ainda jovens que tem como sendo seu grande telhado imensas copas de árvores. Outros moram em meio a imensidões de campos.  E tem ainda aqueles que vivem em meio ao caos urbano. Mas todos tem em comum o direito a uma educação de qualidade, pois é o que apregoa nossa constituição e muitas outras leis voltadas para a juventude, e, acima de tudo, é o que todo ser humano precisa para viver na sociedade atual.
Mas independentemente de onde este jovem é oriundo, ele deve ser tratado com respeito e dignidade. Não importa se o jovem fala através de gírias, ou se usa corretamente a língua portuguesa; se possui brincos e piercings no corpo todo ou se não pode utilizar nenhum adereço devido sua religião; se gosta de estudar ou se gosta mais de badalar. O que importa é que ele é um ser dotado de direitos e deveres que o governo tem que dar suporte para o atendimento com qualidade, seja na área da saúde, da segurança, ou da educação.
          A escola, que é o local onde se dá a educação dita formal, tem que está preparada para atender um público tão diversificado. O ensino médio, que é a etapa da educação formal que atende boa parte destes jovens, tem que conduzir um processo de ensino aprendizagem significativo que esteja de acordo com as diversas realidades vividas por estes alunos. O professor, que é o mediador do processo de ensino aprendizagem, tem que construir, conjuntamente com seus alunos, uma relação de mão dupla na qual todos os atores envolvidos no processo educacional ensinam e aprendem.
Esta escola aonde ocorre ensino médio não tem que ser voltada só para aquele aluno dito ideal: que possui comportamentos adequados, que aprende com facilidade e que está na idade certa no ensino médio. A escola pública que atende o ensino médio lida com os mais diversos grupos: pais e mães, trabalhadores das mais diversa áreas, adolescentes problemáticos, adultos desestimulados, pessoas envolvidas com o mundo do crime e muitos outros. E dentro deste universo tão imenso, falar-se-á um pouco mais do aluno trabalhador, que pode ser também um adolescente, um pai ou mãe de família ou um jovem com uma carga de responsabilidades muito grande.
     O aluno que precisa trabalhar para sustentar a si e sua família, é um aluno que requer uma atenção especial pois está envolvido em muitas atividades que consomem tempo, dinheiro e energia.  A grande maioria destes alunos estão em distorção idade série, portanto não estão na série que deveriam, estar de acordo com sua idade e assim já perderam um bom tempo, estando em desvantagem em relação aos outros. E devido a sua pouca escolarização e qualificação este aluno não adentrou no mercado de trabalho em uma profissão bem remunerada. Ainda muitos desses alunos já tem famílias para as quais tem que prover com um mínimo possível, nem que seja só para sobreviver.
Então imagine um aluno que trabalhou um dia inteiro em um serviço fatigante e tem que ao final do dia enfrentar uma sala de aula em não tão bom estado, assistir uma aula de um assunto que nada tem a ver com a sua realidade e que é ministrada por um professor que já também vem estressado devido a uma tripla jornada de trabalho. E tem mais, depois disso ele ainda tem que retornar para sua casa e para seus problemas familiares. É ou não preciso muita força de vontade e empenho para seguir adiante. Então não pode a escola tratar este aluno da mesma forma que trata o aluno que não trabalha e que não tem as mesmas ocupações e preocupações do aluno que trabalha.
  O jovem que trabalha, provavelmente adentrou no mercado de trabalho de forma precoce, ainda na adolescência e, por vezes, na infância. Não adianta ter leis que proíbam esta prática, se a sociedade e o governo não dá o suporte para que o trabalho precoce não ocorra. A realidade se impõe na vida desses jovens que ficam divididos entre o sonho de um futuro melhor através do estudo e a luta pela sobrevivência do presente. É claro que estes jovens almejam padrões de vida melhores, pois ninguém quer ter uma vida de restrições em que falta alimentação, saneamento básico, lazer.
O texto de Araújo e Alves (2013) cita dados sobre a inserção do jovem paraense no mercado de trabalho, demonstrando através de tabelas que 43.1% dos jovens entre 18 e 24 ano só trabalham e 13,5% trabalha e estuda. Em outra tabela do texto é colocado que 68% dos jovens entre 16 e 24 ganham até um salário mínimo. Isto demonstra um quadro bem grave da situação de trabalho dos jovens de nosso estado, que tem consequências alarmantes no nível educacional do Pará.
Os jovens do município de Anajás, local onde se localiza a escola que trabalho, apresenta problemas semelhantes e até piores no que tange a relação entre educação e trabalho. Primeiramente salienta-se que de uma população de aproximadamente 26000 habitantes em 2012, somente 771 tinham acesso ao ensino médio. No município há somente uma escola que oferta ensino médio, com turmas do SOME em escolas municipais do meio rural. Há atualmente 7 turmas do 1ª ano, mas em contrapartida somente 5 do 3ª ano. Nota-se um número considerável de desistências no percurso de três anos do ensino médio. Muitos desistem pelo caminho.
A distorção idade série é outro ponto que merece destaque ao se analisar o alunado da EEEFM Rui Barbosa. Dos 924 alunos matriculados em 2013, 692 apresentavam distorção idade série. Este fato está ligado ao fato grande número de desistência e repetências desde o ensino fundamental. Aliás o número de desistentes chegou a 211 neste mesmo ano. Muitos alunos desistem principalmente no primeiro ano e desistem várias vezes durante o percurso do ensino médio. Este é um fato preocupante. Não há um grande número de reprovados na referida escola, mas isto não chega a ser um ponto positivo pois atualmente a reprovação é mascarada através da nota mínima 5,0 para fim de aprovação e a possibilidade de o aluno ser promovido devendo disciplinas do ano anterior na qual não conseguiu aquela nota mínima.
  E para completar um quadro não muito bom do ensino médio de nosso município, citarei que boa parte do alunado de nossa escola trabalha e/ou já possui uma família com esposa, marido, filhos. E que o trabalho são exercido de modo informal em locais que pagam bem menos de que um salário mínimo. Também não há grandes perspectivas além do ensino médio, haja vista que no município não há instituições de ensino superior e nem mesmo escolas tecnológicas. Muitos jovens saem do município em busca de melhores oportunidades, mas aqueles oriundos das classes mais baixas acabam continuando exercer trabalhos não bem remunerados devido a falta ou a pouca escolaridade.
Estes dados foram apresentados a fim de demonstrar como a realidade social e econômica vivenciada pelos jovens em nossos municípios do Pará, está intrinsicamente relacionada com o sucesso ou o fracasso educacional. Como ter sucesso educacional se o jovem trabalha desde cedo em condições precárias e sem nenhum reconhecimento de sua importância para a sociedade. O jovem precisa ser melhor preparado para entrar no mercado de trabalho para assim competir em pé de igualdade com o percentual de jovens que advém de parcelas da sociedade mais estabilizadas sócio e economicamente. Como os alunos de nosso município podem competir em um ENEM, com alunos do restante de nosso país, a fim de conseguir vaga em uma instituição de ensino superior se estudam em um local que oferta somente o mínimo possível.
Tem que se dá condições para que essa inserção ao mercado de trabalho se dê através de um inserção anterior ao mundo do trabalho em que o jovem se veja integrante do trabalho e não apenas como um executor dele. O trabalho visto como parte essencial do ser humano e como práxis essencial para a formação omnilateral deste ser é que tem que ser apresentado a este jovem. Este tem que reconhecer que nas relações de trabalho ele constrói sua identidade e se relaciona com os outros. Infelizmente nossos jovens veem o trabalho como uma espécie de castigo e o executam mecanicamente, sem uma reflexão, sendo apenas algo a ser feito a fim de conseguir o mínimo possível para viver. Eles não reconhecem o valor do trabalho pois a sociedade em que está inserido produz uma hierarquização entre as diversas formas de trabalho, fazendo principalmente uma dicotomia entre trabalho manual e intelectual, em que o primeiro é inferior ao segundo, e quem as pessoas que exercem o trabalhos manuais são menos capacitadas, que não tem perspectivas de progresso. O jovem acaba acreditando nestas mentiras e assim, simplesmente, segue só executando o que lhe é ordenado, sem refletir sobre.
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNM) valorizam o trabalho como um princípio educativo e o concebem atrelado a ciência, a cultura e a tecnologia. O trabalho não visto como um fim em si mesmo, mas um meio de superação de dicotomias, de aproximação de seres humanos diversos e de quebra de paradigmas preconcebidos. O trabalho que liberta, que nos leva a refletir sobre, que nos aproxima do outro, que nos emociona pela realização de algo.
Então o trabalho não pode ser visto como um dos vilões do fracasso escolar de nossos jovens. O vilão é a forma como esta sociedade apresenta o trabalho para nossos jovens.  O vilão é o trabalho precoce e mal remunerado que produz repetências e evasões em nossas escolas. O vilão é o trabalho alienador desvinculado dos valores éticos que tem como objetivo único o lucro para uma classe minoritária. Este tão apedrejado vilão pode se tornar um herói no processo educacional, se for concebido e vivenciado em sua totalidade, juntando a teoria e a prática, o manual e o intelectual, enfim, construindo uma práxis. O trabalho poderá ajudar no processo de ensino aprendizagem pois é parte integrante da vida deste jovens, e a escola pode levar o aluno a refletir e produzir enfrentamentos para superar as dificuldades vividas no mercado de trabalho.