Reflexões sobre o desafios do Ensino Médio

                                                                  Esse artigo é resultado da atividade Reflexão e Ação, proposta ao final do texto Ensino Médio – Um balanço histórico institucional, do Caderno I da Formação de Professores do Ensino Médio.

Autor: Fabiano Stoiev
Orientadora: Lorenna Lucya

     Alguns desafios para o Ensino Médio estão relacionados à incrível desigualdade social que caracteriza historicamente a sociedade brasileira. Queremos chamar atenção para dois problemas essenciais. Primeiro, a dificuldade de acesso, permanência e conclusão do ensino médio por parte significativa da juventude - notadamente aquela oriunda das classes trabalhadoras. Segundo, a dualidade presente nos currículos para esse nível de ensino – a tensão existente entre uma formação para atender às demandas do mercado de trabalho e uma preparação para ingressar no ensino superior. Vamos a esses problemas.
     A universalização do ensino médio é um problema histórico, em um país que ainda guarda números expressivos de analfabetismo. Parcela importante da juventude não concluiu o ensino médio, ou chega a esse nível de ensino fora da idade adequada. O problema atinge principalmente os filhos das classes trabalhadoras. O desenvolvimento de um capitalismo dependente e tardio marcou a sociedade brasileira com uma urbanização relativamente recente, com uma oferta precária de escolas públicas, o que reforçou a constituição de um sistema de ensino com uma forte presença de instituições  de educação privadas, voltadas para as classes privilegiadas. Essas deficiências herdadas de um passado recente se somam às mudanças estruturais, típicas do desenvolvimento das sociedades capitalistas – hoje, a população brasileira passa por um processo  de transição demográfica. A população envelhece, no mesmo passo em que o período da juventude se prolonga – ou seja, os jovens tendem a constituir família e entrar no mercado de trabalho cada vez mais tarde, passando mais tempo na casa dos pais. Essa transição demográfica e as exigências do mercado de trabalho, que requisita habilidades cognitivas adquiridas no processo de escolarização, fazem da universalização do Ensino Médio uma necessidade na formação de nossos jovens. Por outro lado, o crescimento econômico experimentado nos últimos anos, a oferta de empregos, as expectativas de consumo das famílias e jovens, e a má distribuição de renda (que apesar dos avanços nos últimos anos, permanece significativa), são fatores que empurram uma parcela dos jovens para o mercado de trabalho, favorecendo o fenômeno da evasão escolar. Programas de distribuição de renda com contra-partida, como o bolsa-família jovem, criam um ambiente mais favorável, mas sem avançar no aumento global dos rendimentos do trabalho, o abandono da escola para ajudar no orçamento familiar pode permanecer.
     Para garantir o acesso, permanência e conclusão do ensino médio, é preciso tornar esse nível de ensino significativo e relevante para os jovens e suas famílias. Uma reforma curricular pode auxiliar nesse sentido. Em um balanço histórico institucional, vemos por décadas o ensino médio ser tomado como uma etapa de preparação para o acesso ao ensino superior, frequentado apenas pelos filhos das classes privilegiadas. Uma formação conteudista, bacharelesca, pautada por componentes de distinção social, deram à cultura escolar e seus curriculos um caráter bastante elitista. Já, a formação das classes trabalhadoras, em especial para seus setores com ofícios menos especializados, prescindiu de qualquer escolarização formal. Precisamos esperar a era Vargas para tornar o ensino primário obrigatório. E só na ditadura civil-militar, na década de 70, teremos o ensino fundamental (8 anos) nessa mesma condição. Apenas com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, o Ensino Médio passou a ser componente da Educação Básica. A educação profissionalizante, nesse período, passou dos cursos ofertados fora do contexto escolar (como os cursos profissionalizantes do Sistema S) a uma integração de formação técnica no ensino médio (a experiência dos CEFETs). Em todas essas experiências históricas, permaneceu uma dicotomia que procurava assegurar a formação superior para as camadas privilegiadas e a formação técnica ou profissional para a juventude trabalhadora. Hoje, a LDBEN aponta para a construção de uma educação humana integrada, onde a formação para a cidadania deve estar associada a uma preparação para o mundo do trabalho. Mas temos muito que lutar para a implantação dessa perspectiva. A falta de vagas no ensino superior público e a permanência dos vestibulares se mantêm como sérios desafios para uma educação comum e igualitária no Ensino Médio (a despeito do avanço do ENEM como forma de seleção para ingresso no ensino superior e das políticas de cotas, que minorizam, mas não resolvem os problemas). Assim, permanecem pressões sociais por uma educação conteudista, de diferenciação social, que o ensino apostilado e os cursinhos representam tão bem. Por outro lado, permanecem as antigas demandas por adiantar uma formação profissional estrita, para integrar no mercado de trabalho, o mais rápido possível, a juventude trabalhadora. Entre os fatores para essa situação, estão os mesmos já apontados para explicar a evasão escolar.
     Recentemente, demandas de disciplinas (como filosofia e sociologia) e de conteúdos considerados de relevância social inflacionaram o currículo da escola, sem a contrapartida de tempos ou estruturas adequadas. A reforma curricular, no sentido de uma formação humana integrada, se torna cada vez mais necessária. Mas experiências recentes deixam os educadores desconfiados. Com a proposta de implantar uma LDBEN “progressista”, o governo FHC promoveu alterações significativas no Ensino Médio (como a reformulação dos CEFETs) e as Diretrizes e Parâmetros Curriculares. O resultado foi o desmanche de uma estrutura de ensino técnico eficiente e a promoção de uma reforma curricular que instituiu um laissez faire com consequencias negativas sobre a qualidade do ensino. As alterações, a despeito da linguagem progressista dos documentos, estavam orientadas por uma perspectiva de corte nos gastos públicos. A atual conjuntura é mais alentadora, pois estaria sustentada por um PNE comprometido com o aumento dos investimentos em educação (10% do PIB). Mas isso, por si só, não é uma garantia. É preciso que nós, educadores, sejamos capazes de manter uma perspectiva crítica frente a qualquer reformulação curricular. E entender os limites de nossa ação. Afinal, a educação, por si só, não vai mudar as profundas desigualdades da sociedade brasileira. Mas, qualquer mudança nesse sentido, não pode prescindir de um projeto educacional igualitário.

Bibliografia

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do ensino médio, etapa I - caderno I : ensino médio e formação humana integral / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica; [autores : Carmen Sylvia Vidigal Moraes... et al.]. – Curitiba : UFPR/Setor de Educação, 2013.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura. As bases epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre : Artes Médicas, 1993.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX. São Paulo : Companhia das Letras, 1995.