ORGANIZAÇÃO CURRICULAR NA ESCOLA BILÍNGUE PARA SURDOS

ORGANIZAÇÃO CURRICULAR NA ESCOLA BILÍNGUE:
DISCUSSÕES ATUAIS NO CONTEXTO DA SURDEZ

TAVARES, Adelina de Fátima Lorenci Monteiro 
ZITA, A. Lago Rodrigues

RESUMO

A organização curricular da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser, localizada em Santa Maria, RS, se diferencia das demais por defender uma proposta de educação bilíngüe. Está organizada por ciclos de formação e por complexo temático, o que oportuniza a participação de todos através das falas significativas coletadas durante a organização da pesquisa sócio-antropológica, o que dá sustentabilidade à construção do Projeto Político Pedagógico e do Regimento escolar. A grande fonte geradora da organização curricular desta instituição de ensino é a teoria de Pistrak (2000), defensor do estudo por complexos temáticos e por ciclos de formação. O currículo da Escola Cóser proporciona a interdisciplinaridade dando maior significado ao estudo, propiciando maior interesse dos alunos pela aprendizagem. Os autores como Pistrak (2000), Freire (1987;1996), Saviani (2010)  e Vygotsky (2010) defendem uma escola em que todos sejam protagonistas da sua história, primando sempre pela participação e valorização de todos, respeitando o tempo de aprendizagem de cada um. O Coordenador Pedagógico deve ser o grande articulador entre a teoria e a prática na escola. O processo de reflexão sobre a prática devem acontecer sempre e as atitudes tomadas em conjunto, delegando funções  e responsabilidades na busca de melhorias na qualidade educativa. A escola bilíngüe para alunos surdos é o local de difusão da cultura surda, de verdadeira aprendizagem, de desenvolvimento da cidadania e de valorização da pessoa surda.  A escola Cóser proporciona um currículo que atende o aluno surdo de forma interativa, construindo o seu conhecimento de mundo e se reconhecendo como cidadão.

Palavras-chave: Coordenador Pedagógico. Currículo escolar. Interdisciplinaridade. Complexo temático e escola ciclada.

1.INTRODUÇÃO

Este artigo investiga como se dá a organização curricular de uma escola bilíngue para surdos, a Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser, que fica localizada na cidade de Santa Maria, RS.
Assim, por meio de pesquisa bibliográfica, tendo como principais teorias os estudos de Pistrak (2000) que apresenta a proposta de organização curricular por complexo, estudos de Saviani (2010) que tratam da organização curricular e os elementos que esta envolve,  postulados de Vygotsky (2010) que nos ajudam a compreender  o processo de desenvolvimento humano e realizar conexões diretas a organização curricular, assim como os estudos de Freire (1987;1996) que tratam dos temas geradores e defendem a proposta de educação para as minorias e as observações de Almeida (2010) e de Maia (2011) que tratam das funções do Coordenador Pedagógico no contexto escolar. Pretendemos assim, compreender os motivos e os desafios relacionados à escolha e a organização do currículo escolar para essa especificidade, através de revisão bibliográfica.
Posteriormente, procuramos compreender como se constitui a organização curricular da escola em estudo, verificando o papel do coordenador pedagógico na articulação entre o Projeto Político Pedagógico (PPP), o Regimento Escolar (RE) e o currículo, bem como, compreender melhor a organização desses três instrumentos que norteiam a vida escolar, através da análise das bibliografias.
Essa iniciativa nasceu da atividade docente no contexto da escola. Sendo assim, houve a curiosidade juntada à necessidade de um aprofundamento científico dos conhecimentos acerca da organização da proposta pedagógica do currículo dessa instituição de ensino, a qual possui a especificidade da surdez como eixo central e que abarca a plenitude da investigação pretendida.  Diante dessa realidade despertou-se a mobilização em investigar como o PPP e o Regimento estão sendo efetivados na sua prática diária de sala de aula e como isso acontece. A relevância pessoal do estudo está direcionada pela prática de coordenadoria pedagógica e a necessidade em conhecer o âmago do processo de organização curricular desta escola.
Tendo consciência da realidade escolar brasileira com altos índices de repetência, evasão, analfabetismo e exclusão compreendemos que é preciso consciência da necessidade de mudanças, buscamos identificar como está organizado o currículo escolar, que trata da especificidade da surdez, e como ela contribui para a qualidade educativa direcionada para este contexto. Assim, pretendemos com essa pesquisa compreender: em que medida esta escola se diferencia por tratar-se do contexto da surdez? Como e em que momento aparecem os interesses da comunidade surda na proposta do PPP e no Regimento escolar? Como um currículo escolar organizado por ciclos de formação é constituído? Quais os elementos que fazem parte desta constituição curricular? Qual foi a fonte geradora para a escola?
Para a efetivação do trabalho usamos uma pesquisa com abordagem qualitativa, por meio de uma revisão bibliográfica e análise documental do PPP e do Regimento Escolar da escola alvo da pesquisa por meio desses instrumentos faremos  análise de conteúdos, contemplando os objetivos propostos neste trabalho.

2.DESENVOLVIMENTO

2.1. AS AÇÕES DO COORDENADOR PEDAGÓGICO COMO GESTOR EDUCACIONAL

Sabemos que as ações do Coordenador Pedagógico estão relacionadas com a organização sistemática e intencional do processo de ensino. Ele precisa ser um agente da formação continuada, do planejamento escolar, da avaliação e da gestão democrática, trabalhando sempre com a participação e a valorização de todos os setores da comunidade escolar, visando melhorias na educação, pensando sempre na aprendizagem para a cidadania.
Na Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser  Coordenador Pedagógico atua como um grande articulador  entre  o Projeto Político Pedagógico, o Regimento e a sua efetivação. O Serviço de Coordenação Pedagógica acompanha o desenvolvimento do processo pedagógico, coordenando, orientando, mediando o planejamento e assessorando os professores na orientação do processo educativo e tem a função de proporcionar aos educadores a formação continuada centrada na qualificação e na competência, que propicie o desenvolvimento profissional articulado com o Projeto Político Pedagógico da Escola.
Maia (2011, p. 96) fala que “O papel do pedagogo na realização do PPP é de coordenar, elaborar e acompanhar a efetivação, não como mentor, mas como responsável pela sua execução.” Portanto, assim se confirma a responsabilidade do coordenador em fazer as articulações entre a teoria e a prática, investigar as necessidade e fazer as devidas intervenções contribuindo no processo de ensino e aprendizagem, utilizando-se do PPP já construído coletivamente.
Dessa forma, compete à escola e ao coordenador: Proceder ao levantamento das necessidades de formação continuada de seus profissionais, elaborar seu programa de formação, contando com a participação e o apoio de outras instituições, proporcionar a discussão de temas variados no Programa de Formação Continuada como: cidadania, gestão democrática, metodologia de pesquisa e ensino, novas tecnologias, avaliação, ampliando, assim, o compromisso da escola como um todo e suas relações com a sociedade. Também precisa destinar, no Calendário Escolar, tempo para o planejamento e para a formação contínua dos segmentos, construir coletivamente as regras de convivência possibilitando a construção da autonomia de todos os envolvidos no processo educativo estabelecidos pelos diversos segmentos escolares. Colabora, ainda, para a avaliação escolar e institucional, primando pela gestão democrática e pela participação efetiva do Conselho Escolar.
Conforme Almeida (2010):

A escola devidamente organizada pode colaborar para a formação continuada de professores nas reuniões pedagógicas, nos conselhos de classe, com o Conselho Escolar, no processo de elaboração do PPP, na hora atividade. (ALMEIDA, 2010, p. 61)

Assim, o processo de reflexão sobre a prática acontece na escola e essa é a verdadeira formação continuada, o refletir sobre as ações e, em conjunto, tomar as atitudes, delegando a todos as responsabilidades pelas melhorias na qualidade educativa.
Ainda, segundo Almeida (2010, p. 65): “A função supervisora do pedagogo escolar está também relacionada ao processo de planejamento escolar, sendo esse profissional responsável por coordenar a articulação e a sistematização desse processo”. Essa atividade acontece durante as reuniões pedagógicas na escola Cóser, com a organização de projetos de trabalhos interdisciplinares, com tempo para planejamento durante as reuniões pedagógicas e os conselhos de classe participativos.

2.2.CURRÍCULO ESCOLAR NA ESCOLA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL DR. REINALDO FERNANDO CÓSER: Escola bilíngüe para alunos surdos

O currículo é o coração da escola, espaço central em que todos atuamos, o que nos torna, nos diferentes níveis do processo educacional, responsáveis por sua elaboração. (MOREIRA e CANDAU 2008, apud EYNG, 2010, p. 55).

O currículo, então, envolve conteúdos, concepções das áreas de conhecimento, metodologias, tempo escolar, avaliação da aprendizagem e institucional, processo de decisão, relações de trabalho, entre outras e construção do Projeto Político Pedagógico deve ser um espaço de organização escolar baseada, na democracia e no coletivo para dar identidade à escola. Esse coletivo deve levar em conta as diferentes opiniões dos sujeitos, atores do processo, criando assim um currículo que responda aos anseios da comunidade escolar.
Na Escola Cóser o currículo estrutura-se baseado em complexos temáticos e em ciclos de formação, levando em consideração as manifestações dos alunos e de seus pais ou responsáveis, seus anseios, necessidades, desafios, o nível e o tempo escolar de cada educando. Neste sentido a escola baseia-se na teoria de Pistrak (2000) defende o complexo temático e a escola ciclada.  Conforme este autor “o sistema de complexo deixa de ser simplesmente uma boa técnica de ensino, para ser um sistema de organização do programa justificado pelos objetivos da escola” (PISTRAK, 2000, p. 134-200), garantindo, assim, a compreensão da realidade, através do diálogo, da reflexão e da interdisciplinaridade.
A interdisciplinaridade, segundo Saviani (2010, p. 53), “é acima de tudo, processo de co-participação, reciprocidade, mutualidade, diálogo, que caracterizam a integração não apenas das disciplinas, mas de todos os envolvidos no processo educativo.” É uma questão de vivência, de mudança de atitudes frente à educação que temos na maioria de nossas escolas. Para que seja efetivada a verdadeira interdisciplinaridade torna-se necessário a superação de barreiras, tais como: a visão de fragmentação das disciplinas, o engajamento pessoal, a aceitação dos limites do saber aceitando o diferente, o cultivo da curiosidade, a valorização das experiências do cotidiano, ver o ser humano como totalidade, a prática dialógica, entre outras tantas. Fazenda ilustra muito bem esse conceito quando diz que: “a interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se” (FAZENDA, 1992, apud SAVIANI, 2010, p. 54. Acreditamos que o trabalho com Complexo Temático aliado aos Ciclos de formação e a interdisciplinaridade, proporcionam a busca pelo conhecimento, pela investigação, pela reflexão da realidade, desenvolvendo o pensar e a reflexão as ações de todos os que interagem com o conhecimento, para que num movimento de trocas, de negociações, no coletivo, aconteça a verdadeira educação.
No entanto, para que tudo isso aconteça na escola, é de suma importância uma supervisão escolar baseada na gestão democrática, proporcionando momentos de discussões, de planejamento e de formação continuada em serviços para os educadores. Momentos de trocas de experiência servem para qualificar o trabalho do professor. Primar pela integração e pela efetivação do PPP, construído no coletivo da escola também é função importante, pois precisamos consolidar teoria e prática dando um sentido concreto a esses instrumentos.
A escola por Ciclos de formação, apresentada por Pistrak (2010), representa uma possibilidade de romper com as relações de poder tradicionais, autoritárias. Essa modalidade, estando inserida na realidade, com conhecimentos  do contexto local se torna coerente e significativa o suficiente para proporcionar aos atores sua participação social.
Conforme o Projeto Político Pedagógica da Escola Cóser e embasada nos estudos de Pistrak (2010), sobre a teoria dialética do conhecimento pressupõe-se a construção recíproca, entre o sujeito e o objeto, pois é na interação do homem com o mundo, que tanto o mundo como o homem se modificam e se movimentam.  De acordo com a teoria dialética do conhecimento, a ação educativa deverá levar em conta que: a prática social é fonte do conhecimento; a teoria deve estar a serviço da ação transformadora; a prática social é o critério de verdade e o fim último do processo de conhecimento.
A prática da interdisciplinaridade e a ação transformadora da sociedade são defendidas por Freire (1987) o qual apresenta um método de aprendizagem através de temas geradores afirmando que:

Não há como surpreender os temas isolados, soltos, desconectados, coisificados, parados, mas em relação dialética com outros, seus opostos. Como também não há outro lugar para encontrá-los que não seja nas relações homem-mundo. O conjunto dos temas em interação constitui o universo temático[...] (FREIRE, 1987, p.93)

Diante dessas afirmativas podemos concluir que a concepção de conhecimento interdisciplinar possibilita uma relação significativa entre o conhecimento e a realidade e estabelece uma nova relação entre currículo, conteúdos e realidade e, podemos inferir, que currículo e realidade interagem, influenciando-se mutuamente.
Nesse sentido, a escola em análise tem como meta desenvolver um currículo contextualizado, que venha a contribuir com o desenvolvimento social na comunidade surda na qual está inserida.
Podemos perceber que colocar a educação como base do desenvolvimento social constitui-se meta da escola na medida em que entende o desenvolvimento como socialmente justo, economicamente viável, ambientalmente sustentável, solidário e igualitário, considerando o sujeito em sua relação com o meio e com seus pares.
Na Escola Cóser, o currículo está organizado em ciclos de formação de acordo com as fases de desenvolvimento dos educandos. A Escola se propõe a romper com o conhecimento linearmente organizado, elencando conteúdos a partir de uma pesquisa sócio-antropológica com a comunidade e oportunizando a permanência e a aprendizagem a todos os estudantes.
A percepção dos envolvidos no processo pedagógico como sujeitos históricos implicam valorização e reconhecimento dos diversos saberes sócio-culturais que são fundamentados para a construção de conhecimento mais elaborado.
Os ciclos de formação contribuem para que sejam respeitados o ritmo, o tempo e as experiências de cada educando facilitando a organização coletiva e interdisciplinar.
Dessa forma, a Escola prevê quatro ciclos de formação num total de nove anos para o Ensino Fundamental, com duração de três anos no primeiro ciclo e nos ciclos seguintes dois anos cada ciclo.
  A organização curricular do Curso Normal em Nível Médio e do Curso Normal-Aproveitamento de Estudos divide-se em cinco totalidades do conhecimento, sendo que em cada totalidade serão construídas competências e habilidades e a prática será aprofundada a partir da totalidade em que o aluno está inserido.   
  A Escola, na sua organização curricular baseia-se na teoria de Pistrak (2010) e trabalha com o complexo temático. Esse complexo é organizado através das falas mais significativas dos alunos e de seus responsáveis e com base nesses dados o currículo é organizado.
  Esta instituição de ensino se diferencia por tratar-se de uma escola envolvida no contexto do aluno surdo e trabalhar uma metodologia diferenciada das escolas regulares e tem como grande desafio dar conta da aprendizagem, com qualidade, para a comunidade surda de Santa Maria/RS e região, pois é nessa escola que os alunos estão em contato com a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e com a cultura surda.
  Sklier (1997) afirma que a educação dos surdos deve ser encarada no mesmo nível de importância da educação de classes populares, da educação rural, das minorias que sofrem exclusões semelhantes, dentro de processos educativos culturalmente significativos.
A proposta bilíngüe vem do pressuposto de que os surdos fazem parte de uma comunidade minoritária, com valores, cultura e língua natural próprios. O aspecto mais importante da proposta é o de proporcionar à criança surda a possibilidade de adquirir linguagem, através de sua língua natural, que é a Língua de Sinais.
  A oportunidade de acesso a um ambiente linguístico adequado é proporcionada pela escola para garantir o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e do indivíduo. Assim, é um ambiente em que a Língua de Sinais é a primeira língua a ser usada na escola, por todos. A escola visa assegurar o desenvolvimento da personalidade de forma sadia. Para isso, a criança precisa interagir com adultos surdos, juntos construir sua teoria de mundo. Quanto mais experiências de vida forem comentadas e elaboradas, mais ampliar-se-á a concepção de mundo. Essa construção acontece, segundo Vygotski (2010) por intermédio do outro, como podemos perceber quando diz que:

É por intermédio do adulto que a criança se desenvolve em suas atividades. Absolutamente tudo no comportamento da criança está fundido, enraizado no social. As relações da criança com a realidade são, desde o início, relações sociais. (VIGOTSKY, 2010, p.16).

                 A Língua de Sinais como primeira língua na Escola Coser é imprescindível para o desenvolvimento global do aluno, para que eles consigam desempenhar as atividades curriculares. A escola Coser é o ambiente que oportuniza o desenvolvimento da linguagem da criança surda. A Língua de Sinais é a fonte de comunicação entre os educadores e os alunos surdos. Conforme o PPP da escola Cóser (2012, p. 39) , tem-se que:

“A Língua de Sinais não é um recurso metodológico, não é simplesmente um meio comunicativo para viabilizar a compreensão de conteúdos escolares. É mais do que isto: a aquisição da língua de Sinais como primeira língua para a criança surda leva seus usuários a usufruir de todas as possibilidades que a língua oral proporciona a uma criança ouvinte e também a uma predisposição à aprendizagem de uma segunda língua, seja ela qual for.”

A Língua de Sinais é, pois, um sistema linguístico particular, com uma organização e modalidades próprias. Essa língua não é ensinada, mas adquirida naturalmente. Contudo, para que possa ser adquirida, as crianças surdas devem ser expostas a ela desde cedo. Assim, a criança irá internalizar a Língua de Sinais do mesmo modo que as crianças ouvintes o fazem com a língua oral.
A proposta da escola alvo do estudo e pesquisa é a construção do conhecimento oportunizando experiências enriquecedoras e significativas, (através das falas do complexo) organizando um ambiente aconchegante e desafiador que propicie a exploração da curiosidade, incentivando a ampliação das potencialidades físicas, sócio-afetivas, intelectuais e éticas, possibilitando-lhe o desenvolvimento do senso crítico e de progressiva autonomia.
Segundo Vygotski (2010)

A educação não se limita somente ao fato de influenciar o processo de  desenvolvimento, mas ela reestrutura de maneira fundamental todas as funções do comportamento” ( 2010, pág.24 )e continua “o papel essencial da educação é, pois, de assegurar seu desenvolvimento, proporcionando-lhe os instrumentos, as técnicas interiores, as operações intelectuais, com diferentes tipos de atividades. (VYGOTSKI, 2010, p. 31).

Os Ciclos de Formação constituem uma concepção de escola que busca romper com a lógica fragmentada do processo escolar e flexibilizar os tempos de aprender, possibilitando aos educandos o desenvolvimento de uma formação integral, mais humana, socializadora e facilitadora da construção de sua identidade cultural e auto-estima positiva. A metodologia a ser trabalhada nas diferentes áreas do conhecimento está embasada na interação entre aluno e objeto de conhecimento, mediada pela intervenção pedagógica. Dessa forma o trabalho pedagógico é fundamentado na concepção de conhecimento como processo de construção/ reconstrução e, como tal, não está pronto, sendo revestido de significado, a partir das experiências dos sujeitos.
Conforme Pistrak (2010), assim, os conteúdos se libertam da seriação, da fragmentação, da hierarquização, da descontextualização e das peculiaridades da escola tradicional, passando a ter uma conotação interdisciplinar. A metodologia proposta por esta abordagem é a do trabalho com campos conceituais, onde é priorizada a construção de conceitos. Nesta escola, a constituição curricular acontece através da construção do complexo temático no qual são citadas as falas da comunidade escolar visando a participação e o envolvimento de todos na construção curricular e ainda propiciando um currículo libertador, democrático e transformador; a vivência desta organização curricular impõe uma postura de pesquisa, de reflexão constante sobre a práxis.
A escola alvo da pesquisa se propõe a desenvolver um currículo contextualizado. Neste sentido, entende que o uso das tecnologias devem ser instrumentos de trabalho diário do professor e do aluno. Para que haja maior qualidade no desenvolvimento do Currículo, a escola dispõe de computadores para uso de alunos e professores em sala de aula, pois a escrita em LIBRAS é desenvolvida a partir de um software apropriado. Conforme Brito (2011):

O computador é uma tecnologia educacional, quando usado na formação de um ser para o mundo em transformação e que possa desencadear uma mudança de atitude em relação ao conhecimento superando a visão fragmentária e restrita do mundo. ( BRITO, 2011, p. 70).

Brito (2011) fala da importância da formação de professores para usarem de forma correta os softwares educativos. Coloca ainda que os instrumentos tecnológicos devam ocupar espaço significativo na educação, redefinindo práticas pedagógicas.  Brito (2011, p. 74) argumenta sobre a necessidade  da escola se apropriar das ferramentas criadas pelo homem objetivando uma formação que, no mínimo, garanta reflexões e ações para construir um mundo melhor.” 
A avaliação na escola Cóser é organizada através da elaboração de um relatório individual do aluno realizado pelos professores expressando o aproveitamento do educando no parecer descritivo considerando o desenvolvimento de suas habilidades. A avaliação é um processo contínuo, participativo, como função diagnóstica e investigativa, cujas informações proporcionam o redimensionamento da ação pedagógica e educativa, reorganizando as ações do educando, da turma, do educador, do coletivo de qualquer modalidade e mesmo da escola, no sentido de avançar na construção e no desenvolvimento do processo de aprendizagem. Sendo vinculada aos objetivos e metas propostas pela Escola no seu Projeto Político Pedagógico.
A avaliação emancipadora defendida por Vygotski (2010, apud IVIC, 2010, p. 32) quando fala que cada ser humano tem seu processo próprio de desenvolvimento das habilidades e que o desenvolvimento depende do contato com o conhecimento, com o social.  Freire (1996) coloca que é preciso levar em consideração a realidade e as condições da cada um para o processo de seu desenvolvimento, fala da ação transformadora, da ousadia, da perseverança na busca de objetivos sólidos, valorizando cada um conforme nas habilidades. Pistrak (2010) destaca a importância dos ciclos, respeitando o processo cognitivo do aluno e do complexo, para que assim possamos levar em consideração as necessidades dos educandos, com base na realidade, com conhecimento desse contexto, propiciando a verdadeira participação social dos sujeitos envolvidos no processo.
  Portanto, um currículo escolar só tem significados verdadeiros se possibilitar a participação de todos os envolvidos e se proporcionar a aprendizagem com qualidade, com transformação social, buscando alternativas através da constante avaliação, buscando sempre a ação reflexão ação.

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo estudo realizado e pela pesquisa efetivada, podemos considerar que a escola em estudo se diferencia das demais por defender uma proposta de educação bilíngue e por buscar alternativas para dar conta desta educação. Sendo assim, a escola trabalha com base nos interesses da própria comunidade escolar e está organizada por ciclos de formação, e também por complexo temático, o que oportuniza a participação de todos os envolvidos através das falas significativas coletadas durante a organização da pesquisa sócio-antropológica, o que dá sustentabilidade à construção do Projeto Político Pedagógico e do Regimento Escolar, documentos pelos quais a escola é  sustentada legalmente.
A grande fonte geradora da organização curricular desta instituição de ensino é a teoria de Pistrak (2010) defensor do estudo por complexos temáticos e por ciclos de formação. Percebemos que é a partir do complexo temático que a escola organiza seu planejamento e encaminha o trabalho conforme o contexto cultural da escola Cóser: escola bilíngue. Assim, todos juntos vão construindo o conhecimento e se reconhecendo como cidadãos coresponsáveis.
Reconhecemos, durante a pesquisa, a importância e o sentido desta escola para os alunos surdos de Santa Maria e região, de modo que, é um local de difusão da cultura surda, de verdadeira aprendizagem, de desenvolvimento da cidadania e de valorização das minorias: a pessoa surda.  Para tanto, percebemos uma escola disposta a fugir da escola tradicional, redimensionando as relações de poder, os tempos, o currículo no sentido de atender ao aluno surdo de forma interativa e democrática.
Concluímos que as teorias de Pistrak (2010), Freire (1996; 1987), e Vigotsky (2010) se entrelaçam no momento em que todos apontam para a importância do uso do meio, da realidade, do respeito ao desenvolvimento de cada um, do desenvolvimento da cidadania a partir das oportunidades de interação e de trocas recíprocas entre os sujeitos. Assim, podemos perceber a concordância com Saviani (2010) que diz que o complexo é um método ativo, desenvolve a capacidade de ser independente, sendo que o material de pesquisa é a própria vida. 
Portanto, o contexto do currículo na Escola Cóser estrutura uma educação possível a partir da participação e da valorização de cada um num contexto maior da abrangência escolar. Enfim, o ensino por complexo, além de expressar a possibilidade de seleção de conhecimentos que sejam significativos, traz perspectivas e possibilidades de uma efetiva análise de mundo, no qual possamos agir sobre ele, tendo uma prática social crítica, consciente e coletiva.  Por fim, compreendemos que o contexto da escola Cóser é desafiador e entendemos que é preciso superar desafios para que as mudanças aconteçam.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Claudia Mara de. Pedagogo escolar: as funções supervisora e orientadora. Curitiba: IBPEX, 2010.

BRITO, Glaucia da Silva. Educação e novas tecnologias: um repensar. 3 ed. Curitiba: IBPEX, 2011.

EYNG, Ana Maria. Currículo escolar. 2.ed. Curitiba: IBPEX, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 29  ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

IVIC, Ivan. Lev Seminovich Vygotsky. Edgar Pereira Coelho (org). Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

MAIA, Benjamin Perez. Os desafios e as superações na construção coletiva do Projeto Político Pedagógico. Curitiba: IBPEX, 2011.

PISTRAK, M. M. Fundamentos da Escola do Trabalho. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2000. Tradução: Daniel Aarão Reis Filho.

PROJETO POLITICO PEDAGÓGICO da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser – 2010.

REGIMENTO ESCOLAR da Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser – 2010.

SAVIANI, Nereide D. Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/método no processo pedagógico. 6 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2010.

SKLIAR, Carlos S. A Surdez – um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação 1997.