Esgrimista 7 X 1 Gremista(s): Uma goleada de fair play

Gremista(s)

Como amplamente divulgado, no dia 28 de agosto último, o goleiro do Santos, Aranha, foi vítima de preconceito racial durante o jogo contra o Grêmio, por diversos torcedores gremistas, no final da partida.

Dentre vários torcedores que xingavam o goleiro Aranha de macaco, a gremista Patrícia Moreira foi identificada pelas câmeras, e, por infelicidade dela, acabou sendo pega como bode expiatório. Dizemos isso, é claro, sem querermos atenuar a sua culpa pelo seu ato.

As consequências do ato de racismo praticado pelos torcedores em geral, causaram a eliminação do Grêmio na Copa do Brasil. E para Patrícia Moreira, os prejuízos estão sendo ainda maiores. Ela ficou com a imagem execrada, foi afastada do seu trabalho, teve sua casa queimada, e está sofrendo ameaças de morte.

Esgrimista
Num outro contexto, no último dia 21 de agosto, Guilherme Murray, um garoto de 12 anos, disputava o Campeonato Panamericano de Esgrima pelo Brasil, em Aruba, no Caribe, numa categoria, espada, dois anos acima de sua idade.

Guilherme jogava com o peruano Felipe Scaccabarozzi, e ao término da partida, o juiz o declarou vencedor, atribuindo a ele um ponto que o levaria às quartas de final da competição. Na esgrima a pontuação é recebida quando o atleta encosta a espada no seu oponente. 

E o curioso da história de Guilherme é que, assim que o juiz o declarou vencedor, ele foi até o árbitro e disse que havia um engano, que ele não tinha tocado em seu adversário.  Sua atitude de recusar a pontuação, e de consequentemente ser eliminado do campeonato, causou espanto entre todos, sobretudo nos adultos. 

De tal forma que ele perdeu a partida e o campeonato, e, no entanto, saiu aplaudido pelas pessoas, e virou notícia na imprensa esportiva no mundo todo, em função deste gesto tão raro de honestidade, de fair play.

Agora você leitor deve estar se perguntando o que tem a ver a gremista com o esgrimista, não é mesmo?

Quanto à questão do racismo da gremista, talvez o que poderíamos acrescentar aqui para análise seja a impressão que condenar Patrícia Moreira, em praça pública, de forma meio bárbara, estimulando ou alimentando ações, mesmo que involuntariamente,  como a de incendiar a sua casa ou de ameaças de morte, somente acaba acirrando ou defendendo o mesmo ódio e violência que se busca combater, quando se luta contra o racismo.

É claro que não podemos ser ingênuos de esperar muita civilidade das pessoas que vão num estádio, sobretudo em função da sensação de liberdade que o anonimato provoca, e do estímulo contagiante de estar, se sentir, e se identificar como massa. No entanto, um pouco de bom senso nunca é demais, e as pessoas não podem perder.

Veríssimo nos conta num artigo publicado na Gazeta do Povo, de 11 de setembro último, que quando ele ia no estádio e alguém soltava um palavrão, outro do lado dizia: “Olha as família...” Também não se esperava que o juiz fosse referido, de uma forma, politicamente correta, com um: “tá cego, seu rameiradescendente?” Mas era consenso que haviam certas palavras que famílias ou mulheres deveriam ser poupadas de ouvir.

Mas, quando comparamos a gremista com o esgrimista, o foco que queremos dar para esses episódios é outro. Nem é a questão do racismo evidente, nem a (i)moralidade dos xingamentos, apontada por Veríssimo. O que nos interessa aqui é falar de algo sobre a essência, um dos princípios de todo esporte: a superação condicionada à ética.

Ou seja, o grande prazer, a grande satisfação da vitória, somente deveria acontecer para aqueles jogadores sinceros consigo mesmos, quando esses conseguem vencer seus desafios, quer seja numa superação, comparando-se a si mesmos, ou com o obstáculo imposto pelo adversário. Mas, se nos enganamos recebendo conquistas que sabemos não merecemos, como poderemos vibrar de alegria por um feito que reconhecemos ser falso?

Nesse sentido, Patrícia e demais torcedores, por força do fanatismo, e do total distanciamento da ética da superação no esporte, quando buscavam desestabilizar o goleiro Aranha com xingamentos, agiam naquela lógica de ganhar a qualquer custo, sem se perguntarem se o Grêmio mereceria a vitória. Reconhecer a superioridade do Santos, então, naquele momento, nem pensar...

Porém, quando o esgrimista Guilherme Murray, ao sair da arena, reconhecendo que não teria porque aceitar uma vitória (superação) que ele de fato não havia realizado, e emite a frase: “Não fiz nada de mais, apenas o correto”, só estava no fundo, nos relembrando da ética da superação. E nesse sentido, o esgrimista deu de 7 X 1 na(os)  gremista(s).

Referências

VERÍSSIMO, Luis Fernando. Artigo: As Família. Jornal Gazeta do Povo. 11/09/2014.
http://espn.uol.com.br/noticia/436121_torcedora-racista-do-gremio-e-afas...
http://esporte.uol.com.br/futebol/campeonatos/copa-do-brasil/ultimas-not...
http://blogdojuca.uol.com.br/2014/08/um-menino-de-carater/
http://vejasp.abril.com.br/blogs/terraco-paulistano/2014/08/guilherme-murray-fair-play-em-campeonato-de-esgrima/

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