Povos indígenas: se valorizassem suas plumas, não dependeriam de pena

 

 Rigoberta Menchú, ativista indígena da Guatemala         

Antes do início, no último dia 24 de setembro, da abertura da 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York, aconteceu nos dias 22 e 23 da mesma semana, a primeira conferência Mundial dos Povos Indígenas, com o enfoque na Mãe Terra e o futuro do planeta.

Os povos indígenas correspondem apenas a 5% da população mundial, no entanto, compreendem 15% da camada mais pobre. Nessa conferência, foram debatidas ações que possam vir a mudar essa realidade, assim como, discutir maneiras de se efetivar a realização dos seus direitos, como os previstos na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 2007.
No término da conferência foi aprovado um Documento Final(1), fortalecendo os direitos de mais de 370 milhões de pessoas indígenas em todo o mundo. Naquele documento ficaram estabelecidos os seguintes compromissos:
Assegurou-se a igualdade de acesso a uma educação de alta qualidade, que reconheça a diversidade da cultura dos povos indígenas; o acesso à saúde, à habitação, à água, ao saneamento, e a outros programas sociais para melhorar sua qualidade de vida.
Reconheceu-se a importância das práticas de saúde dos povos indígenas, assim como, sua medicina e seus conhecimentos tradicionais.
Comprometeu-se intensificar os esforços para reduzir as taxas de contágio da AIDS, malária, tuberculose, e enfermidades não transmissíveis.
Assumiu-se a posição de promover o direito das crianças indígenas, em comunhão com os demais membros do seu grupo, a ter sua própria vida cultural, a professar e praticar sua religião, e a proferir seu idioma.
Esforços serão realizados, em cooperação com os povos indígenas, para prevenir e eliminar todas as formas de violência e discriminação contra os povos e pessoas indígenas, em particular, as mulheres, as crianças, os jovens, as pessoas de idade, e as pessoas consideradas incapazes.
Reconheceu-se o compromisso contraído pelos Estados, de celebrar consultas e cooperar de boa fé com os povos indígenas, a fim de obter seu consentimento livre e consciente, antes de se aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios, e outros recursos.
Comprometeu-se desenvolver, conjuntamente com os povos indígenas interessados, e quando proceda, políticas, programas e recursos para apoiar os ofícios, as atividades tradicionais de subsistência, a economia, os meios de vida, a seguridade alimentar e nutricional dos povos indígenas.
Reconheceu-se a importante contribuição dos povos indígenas para a promoção do desenvolvimento sustentável, a fim de se lograr um justo equilíbrio entre as necessidades econômicas, sociais, ambientais, das gerações presentes e futuras, e a necessidade de se promover a harmonia com a natureza para proteger nosso planeta e seu ecossistema, o qual é chamado em muitos países como Mãe Terra.
Até aqui descrevemos alguns tópicos abordados no Documento Final, da conferência.
Rigoberta Menchú, ganhadora do prêmio Nobel de Paz, e renomada ativista indígena da Guatemala, presente na conferência, entendeu como positiva a reunião, ao expressar: “Estabelecemos um importante precedente com respeito aos nossos direitos. O sonho é que isso nos permita ter uma vida mais próspera para todas as pessoas beneficiadas por este dia”.
Trazendo especificamente para a nossa realidade brasileira, podemos inferir desse Documento Final algumas reflexões. Os desafios que são comuns, em relação a todos os povos indígenas, são os mesmos dos povos daqui, como a necessidade de se reconhecer seus direitos, de preservação da sua cultura, de terem acesso a bens públicos, e da comunidade não indígena reconhecer a importância da alteridade.
Atualmente, é necessário admitir que com a grande devastação cometida contra as áreas das reservas indígenas, quer seja para extração de recursos naturais, ou para construção de usinas hidroelétricas, fica praticamente inviável que essas comunidades consigam sobreviver nessas terras como seus ancestrais viviam, isto é, apenas da caça e pesca. Portanto, assim como, naturalmente, existe a necessidade de se dar condições para que os povos indígenas preservem e pratiquem suas culturas, mantenham sua identidade, também se faz necessário propiciar meios para que possam usufruir de todos os benefícios da vida moderna, dos serviços públicos oferecidos pela nação, como brasileiros que são. Ou seja, que se valorize sua alteridade, e que por outro lado, também se busque tratá-los sem a menor discriminação ou desrespeito, para com todos direitos sociais, civis, e políticos, que a cidadania lhes oferece.
O fato é que, infelizmente, somente agora mais recente, por meio deste documento assinado na ONU, assim como por meio de alguns outros, os indígenas começam a ser respeitados, ao menos no papel, mesmo que timidamente. Se esse respeito, na prática, tivesse acontecido antes, com certeza, a história poderia ter sido outra.
Em outros termos, se valorizassem suas plumas, isto é, reconhecessem o valor da sua história, da sua cultura, da sua arte, dos seus ensinamentos, da sua dignidade enquanto seres humanos; se respeitassem suas idiossincrasias, seu habitat, suas áreas, seus territórios, de forma minimamente razoável para que eles pudessem sobreviver neles, de forma digna, hoje, esses povos não precisariam estar lutando, reivindicando por algo que lhes foi arrancado, como se tivessem que ficar contando com a compaixão do homem branco, quer seja pela situação precária que vivem em suas, cada vez mais, reduzidas aldeias; quer seja, pela indigência que vivem nos semáforos das cidades. Com certeza, não é o que eles, ou o que nenhum outro ser humano quer ter para viver, quando não lhe é respeitada sua dignidade: depender de pena. 

Por fim, quando falamos de valorizarmos suas plumas, também falamos literalmente. Alguns trabalhos maravilhosos realizados com penas encontram-se expostos no museu Oscar Niemeyer, sob o título Plumária – A Arte Maior do Indígena Brasileiro.
A arte plumária tem para os povos indígenas não apenas a função de adorno, mas funções socioculturais profundas e bem definidas que regulam seu uso em rituais e cerimônias ligadas à morte, às crenças, à vida, onde apenas os homens se adornam. As mulheres e crianças só utilizam adornos em momentos determinados.

Vejam abaixo algumas obras que tivemos a oportunidade de apreciar na exposição e fotografamos para vocês.

                                                             

1. Tradução livre nossa, do espanhol.

Referências:
http://www.onu.org.br/conferencia-da-onu-fortalece-compromisso-com-direi...
http://wcip2014.org/wp-content/uploads/2014/09/N1453494-WCIP-FINAL-DOCUM...
http://cbn.globoradio.globo.com/programas/revista-cbn/2014/09/27/SETENTA...
http://www.diariodopoder.com.br/noticias/cepal-debate-sobre-povos-indige...
http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/3053-documento-fi...
http://www.museuoscarniemeyer.org.br/exposicoes/exposicoes/plumaria

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